Celso Marconi: Nova Visão de Glauber, Claro

César Meneghetti produziu um trabalho que deixa abrir luz para o Glauber que estava então desterrado na Europa

Por gentileza do cineasta César Meneghetti, revi o filme Glauber, Claro, que na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ganhou o prêmio da crítica de Melhor Filme Brasileiro. Essa revisão foi no sentido de buscar uma abordagem mais aprofundada da minha parte, que tinha escrito rapidamente sobre o filme no início da Mostra.

Tenho uma admiração pelo cinema de Glauber Rocha na mesma dimensão que tenho pelo trabalho do cineasta italiano Luchino Visconti. São duas figuras da História do Cinema de expressão máxima. E esse filme de César Meneghetti tem a vontade, me parece, de mostrar ao público – particularmente ao público europeu, e não ao brasileiro – quem foi o cineasta Glauber Rocha. Nesse sentido, me parece que o filme Glauber, Claro poderia ter sido inscrito na Mostra não como brasileiro, mas na categoria Perspectiva Estrangeira. Ele assim ganharia uma dimensão mais robusta para o público e nisso ele se impõe com uma produção tanto brasileira quanto italiana.

Glauber, Claro tem uma estrutura cinematográfica que se apoia em apenas duas sequências. Uma que vai do início até quase o final. Outra que começa quando há uma referência ao Festival de Veneza e a escolha de dois filmes europeus como melhores filmes. E assim deixa de fora a última obra de Glauber, A Idade da Terra. É colocado então o discurso que Glauber fez na porta do Festival protestando contra a escolha dos premiados. É claro que Glauber teve toda razão, pois todos sabem que prêmios não são só concedidos por valor estético, mas por confabulações políticas. Idade da Terra deixou de ser premiado pelo simples fato de ter sido totalmente financiado pelo governo brasileiro, que na época da filmagem era o general Geisel. Glauber acreditava nele por considerá-lo um adventista, um religioso. O que todos lembram é que causou uma enorme celeuma e contribuiu inclusive para a doença do artista.

Penso que, se Glauber, Claro fosse um filme feito para o público brasileiro, poderia haver uma inversão nas duas sequências que o filme tem. Em primeiro lugar, passaria a sequência com o discurso de Glauber. Depois, teríamos todo um debate em torno desse discurso. Tem muita gente no Brasil que poderia ou poderá ainda falar sobre isso. Bem como muita gente na própria Itália.

A revisão que fiz hoje do filme me fez lembrar questões que podemos descobrir a partir desse filme. Uma é que uma pessoa como Glauber, quando mora em outro local que não é seu país de origem, se joga de cabeça e vive querendo entender o lugar em que está. Isso transparece em Glauber, Claro, onde temos um aprofundamento não convencional sobre quem é o povo italiano, de onde ele veio, o que ele quer – porém, tudo numa narrativa em que um certo ar de ironia está sempre presente. E esse filme termina com uma sequência final inteiramente brasileira na voz, isto é, no som do cavaquinho e outros instrumentos brasileiros.

O que é certo é que César Meneghetti produziu um trabalho que deixa abrir luz para o Glauber que estava então desterrado na Europa, mesmo que a forma de expressão seja mais para o europeu do que para o público brasileiro. Isso não é defeito, claro. E agradeço toda a gentileza dele para comigo.

(Olinda, 15. 11. 2020)

AMAZONAS, AMAZONAS

O fato de rever Glauber, Claro me instigou para ver um documentário de Glauber Rocha que tem tanta importância para o Brasil de hoje. Feito em 1965, Amazonas, Amazonas foi uma encomenda assumida pelo cineasta num período em que todo o mundo do cinema estava correndo atrás de trabalho para sobreviver em face da ditadura de 64. E o que vemos é que o filme não parece um trabalho encomendado pelo Governo do Amazonas, mas um produto independente e assim crítico acerca da região. Também Nelson Pereira dos Santos produziu filmes dentro desse processo.

As imagens da Amazônia captadas por Glauber são sempre no sentido de mostrar uma grande região brasileira, mas dentro da situação de depauperação dos habitantes em função dos grupos economicamente fortes vindos de países da Europa e que implantavam um sistema de trabalho sub-humano. A região era e continua sendo grandiosa, mas seu povo transformado em trabalhadores quase escravos. A câmera fixa a densidade da paisagem amazônica e a música de Villa Lobos cria a grandeza da paisagem humana. Pois o homem local quer apenas sobreviver e fugir ao domínio dos exploradores. Uma luta que hoje no governo bolsonarista se torna ainda mais trágica.

Esse filme Amazonas, Amazonas deveria ser exibido em todas as escolas do país para mostrar a todos a importância da região. Embora não seja um produto independente, é importante pela visão cultural que o cineasta soube lhe impor. Não é um filme de linguagem dramática e experimental, mas conta uma estória fortemente dramática. Está no YouTube com muitos outros filmes de Glauber.

(Olinda, 18. 11. 2020)

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