Quatro descobertas da ciência sobre o novo coronavírus

As quatro descobertas em 6 meses: o genoma do novo coronavírus, as mutações, o papel dos receptores ACE-2 na expansão da doença pelo corpo e os resultados do experimento no vilarejo italiano de Vo Vechio que chamaram atenção para a transmissão assintomática da covid-19.

A ciência correndo contra o tempo para combater o SarsCov2

Já faz seis meses que a covid-19 apareceu e virou o mundo de cabeça pra baixo. Lançou cientistas em uma corrida, como poucas na história, para entender e derrotar esse inimigo.

Em um vídeo didático, a BBC News destacou quatro descobertas da ciência: o genoma do novo coronavírus, as mutações, o papel dos receptores ACE-2 na expansão da doença pelo corpo e os resultados do experimento no vilarejo italiano de Vo Vechio que chamaram atenção para a transmissão assintomática da covid-19.

1. O genoma do vírus

A importância do sequenciamento genético do vírus

Em 10 de janeiro de 2020, o Instituto de Virologia de Wuhan, na China, publicava a peça mais básica e crucial desse quebra cabeça: a primeira sequência do genoma. Genoma é o conjunto de RNA e DNA de um organismo, que armazena as informações genéticas. Alguns vírus, como da herpes, têm DNA, outros como da Influenza têm RNA. No caso do novo coronavírus, estamos falando de RNA, que tem uma espécie de ficha corrida com as características e comportamentos do vírus. 

Assim como o Influenza, o SarsCov2 tem RNA

São essas instruções que permitem que o vírus, quando invade uma célula, transforme essa hospedeira em fábrica de clone de vírus, e assim, a doença se espalha.

Ao sequenciar o genoma, esses cientistas traduzem esse conjunto de RNA em uma série de letras. Em Wuhan, eles encontraram uma cadeia de 30 mil letras que formam o código genético que contém tudo que o novo coronavírus precisa para se replicar e se propagar.

Só para ter uma ideia, o genoma humano tem mais de três bilhões de letras. O da gripe comum tem cerca de 15 mil. Em alguns casos, decodificar o genoma pode levar meses ou até anos. 

Por que isso é importante?

Primeiro, que o genoma revelou que se trata de um coronavírus, e que ele era 80% idêntico ao vírus da sars, que causou um surto em países da Ásia e do Canadá, entre 2002 e 2003. Para os cientistas começarem a pensar em tratamentos e vacinas, essas informações são essenciais. 

Os coronavírus são uma grande família de vírus. Centenas deles circulam entre animais como porcos, camelos, morcegos e gatos. Segundo evidências científicas, o vírus que causa a covid-19 é o sétimo coronavírus que se tem notícia a conseguir saltar de um animal para um ser humano. Um dos mistérios ainda sem solução, é como ele conseguiu dar esse salto. Normalmente, isso ocorre de um animal direto para o homem. Ou de uma espécie de animal hospedeiro no meio do caminho. 

Dois dias depois dos cientistas chineses compartilharem esse genoma com o mundo, o Instituto em Wuhan foi fechado sem maiores explicações. Isso gerou críticas de falta de transparência do governo chinês.

O fato é que cientistas de todo o mundo puderam usar esse material. A partir da experiência dos cientistas em Wuhan, laboratórios de todo o planeta têm compartilhado as sequências encontradas em seu país, em tempo real. Eles inserem as informações numa base de dados com código aberto. Isso permite entender como o vírus se propaga e que mutações vêm sofrendo.

Esta é a segunda descoberta.

2. As mutações do vírus

Isso, porque essas mutações, ou pequenos erros, aparecem no genoma. É como se fossem erros tipográficos na sequência de letras. As mutações são comuns e raramente significam que o vírus vai ficar mais letal, contagioso ou que vai provocar sintomas mais graves. Mas essa mutação pode aumentar a capacidade do vírus se espalhar, em relação à versão anterior. 

Seguindo esses rastros deixados pelo novo coronavírus, cientistas conseguem mostrar como ele está ultrapassando as fronteiras. Se cientistas encontram três mutações específicas em uma amostra em Nova York, e várias amostras em Wuhan têm essas mesmas três mutações, é provável que todos esses casos tenham origem no mesmo agente transmissor. E colocando isso num cronograma, os cientistas conseguem compreender quando e como o vírus foi de Wuhan a Nova York.

A gente viu isso aqui no Brasil, quando uma equipe conseguiu sequenciar o genoma do vírus encontrado no primeiro paciente do país. A maior compatibilidade era com um vírus encontrado na Bavária, na Alemanha, país vizinho da Itália, onde o brasileiro esteve. Hoje, já existem mais de 37 mil amostras de coronavírus com o genoma sequenciado no mundo. Com esses dados, os cientistas criaram um mapa de mutações do vírus, enquanto ele se espalha pelos países. 

Mapa de mutações

Outra conclusão que veio a partir disso, é que o ritmo de mutações do SarsCov2 tem sido menor que o da gripe, por exemplo. Isso é bom, porque nos ajuda a entender melhor qual é o nosso inimigo. E essa estabilidade pode ajudar no desenvolvimento de uma vacina. No caso da gripe, ela precisa ser mudada todo ano, justamente por causa do volume de mutações, que geram as chamadas novas cepas do vírus.

3. A propagação silenciosa

Os cientistas puderam estudar isso, graças a um experimento no povoado de Vo Vecchio, onde se registrou a primeira morte por coronavírus na Itália, em 21 de fevereiro. Esse povoado, onde vivem cerca de três mil pessoas, foi isolado imediatamente. A partir daí, toda a população foi testada repetidas vezes, independente de ter os sintomas. 

O isolamento do povoado de Vo’ Vecchio

Assim, os cientistas chegaram a uma descoberta importante. Um percentual enorme das pessoas que testaram positivo, tinham sintomas muito leves ou eram assintomáticas. 40% dos infectados não sabiam que tinham a doença e que podiam transmitir para outras pessoas. 

O experimento de Vo mostrou a eficiência do vírus em se espalhar entre pessoas que nem sequer sabem que estão doentes. Mais recentemente, após uma confusão numa entrevista coletiva, a OMS veio a público reforçar que as pessoas assintomáticas podem, sim, transmitir a doença. 

Há evidências que sugerem que pessoas com sintomas são mais infecciosas, até porque se você não tosse ou não espirra, vai transmitir menos. Mas a doença pode ser transmitida antes dos sintomas começarem a se desenvolver. Isso pode explicar porque o SarsCov2 tem uma capacidade maior de contágio se comparado à gripe. Além disso, os sintomas podem levar bastante tempo para começar a aparecer, até 14 dias. Durante todo esse tempo, a pessoa pode estar transmitindo sem saber. Mesmo que menos em comparação com alguém que apresenta sintomas. 

4. Invasão do corpo

Outra descoberta chave sobre o coronavírus é a forma como ele consegue invadir o corpo. Isso é importante, porque ajuda a explicar porque esse coronavírus pode causar danos tão graves. 

A coroa do SarsCov2 se encaixando perfeitamente no receptor ACE2 da célula

Esse coronavírus invade nosso corpo se agarrando a receptores muito específicos que ficam na superfície das nossas células, conhecidos como ACE2. Cada vírus tem sua maneira de invadir a célula. Os receptores ACE2, que, digamos assim, abrem as portas para esse coronavírus, estão por toda parte do nosso corpo: no nariz, nos pulmões, no intestino, no coração, nos rins, no cérebro. Por isso, a covid-19 pode provocar tantos sintomas diferentes em tantas partes do corpo. Porque o vírus entra direto nesses órgãos por meio desse mecanismo específico de invasão das células. 

O epidemiologista Paulo Lotufo explicou que a covid-19 não pode ser vista apenas como uma doença respiratória. Isso porque ela pode causar desde uma pneumonia, que é algo comum em outras doenças que atacam o trato respiratório, até trombose, coágulos, AVCs, infartos. 

O trato respiratório superior

Além, disso, a maior parte das doenças respiratórias causam infecções, ou no trato respiratório superior, que tendem a ser mais leves e se espalhar mais rápido, ou no inferior, que são mais graves e mais difíceis de transmitir. Ou um ou outro. 

Mas o novo coronavírus consegue fazer as duas coisas. Ao infectar as vias respiratórias superiores, o nariz e parte superior do pulmão, a inflamação causa tosses e espirros, que rapidamente espalham a doença. Ao mesmo tempo, as infecções nas vias inferiores, na parte inferior do pulmão, podem provocar problemas respiratórios graves. 

Por isso, apesar de seis meses de pesquisas, os cientistas concordam que a única forma de acabar com a pandemia, é por meio de uma vacina. Já existem testes em seres humanos, inclusive no Brasil. Mas as chances de que alguma vacina esteja disponível antes de 2021, infelizmente são pequenas. 

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