Festas do Avante e do L’Humanité desafiam a esquerda brasileira

“Não devemos deixar que nos empurrem para dentro dos armários ou que criminalizem o que somos”.

Por Tiago Alves e Alexandre Santini, especial para o Portal Vermelho

Festa do Avante - Foto: Divulgação

O Portal Vermelho realizou, nas duas últimas semanas, a cobertura da Festa do Avante, ao sul de Lisboa e da Festa do L’Humanité (Fête de L’Humanité),  ao norte de Paris, conhecendo a capacidade de mobilização solidária dos militantes para juntar forças e celebrar seus ideais

Impossível para um brasileiro ou uma brasileira do campo das esquerdas chegar aos grandes festivais de verão dos partidos comunistas europeus e não se render imediatamente com um sorriso de alívio.

Enquanto no Brasil a ascensão do fascismo e da extrema-direita busca constranger o pensamento de quem é progressista ou mesmo levar medo a quem deseja sair à rua com suas camisetas vermelhas, nos espaços de festa e luta de Portugal e França a primeira imagem é a de multidões de sorridentes idosos e idosas com suas foices e martelos no peito. Milhares e milhares de crianças brincando em piquenique, pelos gramados, com bandeiras de Guevara, Lênin ou outros. Famílias conversando afetuosamente sobre política com seus filhos adolescentes. Policiais e guardas de trânsito simpáticos, do lado de fora, ajudando quem chega.

Na Festa do Avante e na Festa do L’Humanité, que aconteceram nos últimos dois fins de semana, não há nada absolutamente errado, proibido ou clandestino em ser comunista, socialista e nem mesmo ter outra visão de mundo ou ideologia qualquer, participando apenas pela diversão e pelas atrações culturais. Esse foi o espírito encontrado pela caravana brasileira que esteve além mar em 2019, incluindo militantes do PCdoB, equipe de cobertura do Portal Vermelho além de um grande grupo de comunistas do país organizados em torno da Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz).

Diferente da nossa realidade, envenenada pelo ódio e pela ameaça de perseguição e violência contra adversários políticos, a atmosfera desses eventos entrega um clima de paz e liberdade democrática de ideias, sem vergonhas ou receios do que se é ou do que se quer ser. Além disso, nos dois casos, os eventos também fazem parte do circuito dos grandes festivais musicais da Europa, com atrações que levam seu próprio público e interagem perfeitamente harmonizadas com a natureza política do espaço.

E não há como dizer que são festas que cresceram em lugares e momentos de projeção dos comunistas no poder ou na política. A Festa do Avante veio como resposta ao período da ditadura salazarista, que castigou o país por décadas e terminou em 1975. A Festa do L’Humanité surgiu em 1930 e cresceu mesmo com o clima de radicalização fascista e nazista no continente europeu, com a perseguição aos partidos de esquerda. São festivais que conquistaram seu espaço e legitimidade na sociedade a partir, principalmente, da capacidade de organização e realização de seus militantes.

Ambos os eventos foram criados em nome dos jornais dos partidos comunistas português e francês, Avante e L’Humanité, respectivamente. O trabalho de voluntários, a construção solidária por parte dos filiados e simpatizantes aos partidos firmaram a marca e a força dessas duas festas.

No Brasil, é preciso ter coragem e a mesma organização para criar um espaço de afirmação, orgulho e celebração da trajetória das esquerdas e de suas lutas para o presente e o futuro. A beleza dos nossos sonhos, a generosidade da nossa cultura popular, a riqueza do intercâmbio entre as diversas regiões brasileiras e seus movimentos de militância podem render um encontro com energia única em todo o mundo.

Em tempos de obscurantismo, com a tentativa de calar os nossos sorrisos e nossa forma de lutar, poderíamos responder com a ousadia de um projeto como esse, erguido por muitas mãos juntas e entregue ao povo brasileiro. Não devemos deixar que nos empurrem para dentro dos armários ou que criminalizem o que somos. Nossas bandeiras, vermelhas, também merecem a alegria de seu lugar ao sol.