Dilema das aposentadorias não se resolve com “reforma”  

Para os neoliberais, a defesa do Estado na equalização do dilema vivido pelos sistemas de aposentadoria não passa de um saudosismo dos tempos das utopias.

Por Osvaldo Bertolino

Aposentados

Sua vida será pior quando você se aposentar? Essa pergunta foi feita a 5.500 pessoas em 11 países. Os entrevistados tinham mais de 25 anos, estavam empregados e nos melhores níveis de renda. Céticos, 56% dos franceses disseram que sim. Temerosos da crise, 53% dos japoneses concordaram. Desesperançados, 38% dos brasileiros assinaram embaixo. ''O Brasil registrou o pior nível entre os países emergentes'', diz Norman Sorensen, responsável pelas operações internacionais da seguradora norte-americana Principal, que promoveu a pesquisa. ''Os brasileiros estão profundamente desconfiados de que não vão receber seu dinheiro quando se aposentarem'', afirmou.

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Há tanta falsidade nos debates sobre o déficit dos sistemas de aposentadoria que assuntos de maior importância como esse se perdem. Ele se relaciona ao papel do Estado, tema que vem motivando intensos confrontos sociais pelo mundo afora. A razão principal disso é que a hegemonia neoliberal simplesmente não tem resposta para a nova realidade da população mundial. O mundo passa pela maior revolução demográfica de sua história. Na maior parte dos países, a proporção de idosos cresce a um ritmo jamais visto. O envelhecimento é fruto do aumento da expectativa de vida, que foi de 47 anos em 1950 para os atuais 65 anos, em média — em alguns países, como o Japão, essa expectativa já ultrapassa os 80 anos.

Ajustes econômicos

Como decorrência, o número de idosos no planeta deve triplicar até 2050, chegando a 2 bilhões. Em outras palavras, em poucas décadas o conjunto de pessoas com mais de 65 anos ficará pouco abaixo da soma das populações de Índia e China. O envelhecimento veio acompanhado de outra mudança social: a queda nas taxas de natalidade. Na década de 1950, cada mulher tinha, em média, cinco filhos. Hoje, o índice é de 2,6 filhos e deve cair ainda mais. A combinação desses dois fenômenos — aumento de longevidade e queda na taxa de nascimentos — está produzindo um planeta grisalho.

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Aprender a lidar com ele é provavelmente o maior desafio da humanidade nas décadas que vêm pela frente. Visto pelos neoliberais como fonte de problemas, o fenômeno do envelhecimento revela, acima de tudo, uma grande vitória da civilização. Devido aos avanços da medicina e dos sistemas públicos de saúde, as pessoas vivem cada vez mais e melhor, fato que pode e deve ser comemorado. A mudança traz consigo, porém, uma série de questões a serem enfrentadas. Embora seja um fenômeno global, o envelhecimento ocorre em ritmos e com efeitos diferentes em cada país.

No caso das nações desenvolvidas, o desafio é parcialmente atenuado pela própria riqueza dessas sociedades. Isso não quer dizer que ajustes econômicos não serão necessários — por exemplo, na forma de arrecadação para garantir o valor pago em aposentadorias. Mas as perspectivas são bem mais sombrias para os países pobres, que estão envelhecendo antes de enriquecer — e num ritmo muito mais rápido. Na França, por exemplo, a população de idosos levou 115 anos para dobrar. Na China, o mesmo fenômeno levará apenas 27 anos.

Premissas do Estado

Diferenças à parte, o peso crescente das aposentadorias no orçamento dos Estados aparece como tendência geral. E fazer algo, para o neoliberalismo, significa tomar medidas socialmente perversas. Alguns países, como o Chile, largaram na frente — ainda no regime do general Augusto Pinochet — e implementaram reformas profundas nos sistemas de aposentadoria. No caso chileno, o Estado foi completamente afastado do assunto. Mas os casos mais dramáticos ocorrem na Europa. Até países com sólida tradição de Estado de bem-estar social, como a Suécia, já suprimiram benefícios dos aposentados. A Alemanha segue caminho semelhante. Na França, o tema já motivou grandes manifestações populares.

Montados logo após a Segunda Guerra Mundial, dentro das premissas do Estado de bem-estar social, as dificuldades para fazer a conta desses sistemas fechar começaram a ser notadas no início dos anos 1980, quando a acumulação financeira acelerada em meados da década de 1070 começou a ser cobrada dos trabalhadores. Seria natural o Estado cobrir a diferença com a cobrança de impostos dos mais ricos, seguindo a lógica daqueles regimes.

Seria a forma de compensar todos pelos crescentes índices de produtividade. Aqueles países, apesar da crise econômica mundial, não deixaram de elevar a produção de riqueza mesmo com a redução do uso da força de trabalho. Fazer o Estado assegurar uma aposentadoria minimamente decente seria a coisa mais natural do mundo. O problema é que isso passou a ser pecado mortal no mundo do "mercado-deus" dos neoliberais. Daí o conflito.

Aposentadorias exorbitantes

As propostas de “reforma” variam pouco de país para país. Os pontos principais são o aumento da idade mínima para começar a receber os benefícios, barreiras à aposentadoria antecipada e restrições a benefícios por invalidez. Obviamente, a resistência às mudanças é parte importante das pautas dos trabalhadores. “Reformas” também são o assunto do dia nos Estados Unidos. O sistema público norte-americano é muito mais espartano que a maioria dos sistemas europeus. O benefício médio é de US$ 875 por mês, pouco mais da metade da renda que define a linha de pobreza daquele país.

Hoje, um trabalhador norte-americano tem de completar 67 anos para ter direito à aposentadoria integral. A expectativa é que a idade mínima avance para 75 anos. Mesmo pagando um benefício relativamente reduzido para os padrões de renda norte-americanos, a seguridade social beneficia milhões. Por isso, já existem mobilizações para impedir qualquer mudança. Recentemente, as maiores associações de aposentados anunciaram planos de gastar cerca de US$ 50 milhões em campanhas publicitárias para impedir alterações no sistema.

Qual a saída? Para os neoliberais não há muitas alternativas à radical solução chilena. Eles consideram que o papel do Estado na equalização dessa questão não passa de saudosismo. Hoje, dizem eles, vigora a hegemonia do individualismo. Cada qual que cuide de sua vida no presente e no futuro — uma reação, no fundo, à ideia de que a prosperidade de todos só pode ser gerada pela democratização do Estado.

É comum encontrar na mídia, por exemplo, menções a ''aposentadorias exorbitantes''. Mas que diabo seria isso? A partir de que ponto uma aposentadoria deixa de ser decente e vira ''exorbitante''? Quem fixa esse número? O termo tem a ver com a mania generalista dos neoliberais. Como se houvesse, ou precisasse haver, um deus qualquer que normatizasse as aposentadorias — e estabelecesse uma espécie de ''tablita'': ''até aqui, pode; a partir dali, é pecado''.