Belém, a capital quatrocentona da Amazônia

Belém, a bela capital do Pará, completou seu quarto centenário em 12 de janeiro. Seu marco inicial foi a construção do Forte do Presépio, inaugurado pelos portugueses em 12.01.1616 na foz do rio Amazonas para tomar conta do rio e da região. Foram 400 anos memoráveis, que Prosa Poesia e Arte homenageia reproduzindo este texto, do escritor Paulo Vieira, e, também nesta edição, um trecho do romance Belém do Grão Pará, de Dalcídio Jurandir.

Forte do Presépio - Thiago Kunz

Belém de passagem

Quando há tempos meu velho amigo, no jardim-quintal amazônico que cerca o seu paraíso perdido, na rua que por décadas abrigou toda uma constelação, me disse, “não gosto mais de Belém” fiquei um pouco desolado. Naquela tarde de chuva, ouvir isso justamente dele, que muito me ajudara a entender e a gostar da cidade, me deixou perdido, pois eu ainda gostava de Belém. Hoje, mais de dez anos depois daquela conversa, não sei se ainda gosto, e me sinto inclinado a unir-me a ele nesse desgosto.

Há cinco anos dei no pé, fui embora de Belém, achava que não voltaria mais. Nesse período, em São Paulo, quando a saudade incomodava eu ia bater na porta de outro paraense que vive lá, o cantor e compositor Henry Burnett, ali eu me sentia um pouco em Belém, um pouco em casa. Entre tantos assuntos, falávamos sobre o lar natal, sobre as Cerpas, os igarapés, os peixes, a maniva e sobre o sonho de as férias chegarem logo:

– Bragança?

– Soure!

– Que tal dois meses?

– Quem me dera três!

A gente ria, não das memórias e das vontades, mas de nós mesmos, da nossa condição, que era resultado de uma escolha bastante consciente, e que nos deixava contentes, como a gente gostava de acreditar.

Em uma das últimas vezes que estive em Belém de férias, por quatro semanas, escrevi a letra de “Belém de passagem”. Espantado de ver como as coisas por aqui andam para trás, dia após dia, ano após ano, de ver como o povo segue massacrado pelos donos do poder, como a cidade está desabando em meio à alienação e à ignorância, enquanto a história é lançada num esgoto a céu aberto.

Escrevi a letra, e telefonei ao Henry, mas, antes mesmo que eu terminasse de explicar que os Tupinambá, nos versos, “mas até aqui em SP / me rondam os Tupinambá / onde quer que eu vá / a taba também vai”, representavam para mim a presença do “sabiá” que faltava a Gonçalves Dias, ele disse, empolgado, “manda logo a letra, vou faz a música agora”, e fez. “Belém de Passagem” é a nossa canção do exílio. Música que nos ironiza, enquanto, nela, digo que “de passagem” as pessoas até que gostam desse caos, mas não aguentariam viver aqui nessa linda e terrível Belém, completamente distinta de tudo que já vi, e aonde optei por voltar a viver, exatamente no mês dos seus 400 anos.

Ouça a canção Belém de passagem: