Bolsonaro não pode ficar impune

Em pleno Congresso Nacional, o deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), declarou nesta terça-feira (9) que só não estupra a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) porque “ela não merece”. Em outras ocasiões Bolsonaro já defendeu a tortura e atacou negros e homossexuais. Ficará mais uma vez impune?

Por Wevergton Brito Lima*, para o Portal Vermelho

Bolsonaro - Reprodução

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus eludet?
Marcus Tullius Cícero

Substituindo o nome de Catilina por Bolsonaro, fica perfeito o desabafo que, na Roma antiga (63 AC.) Cícero dirigia ao senador Catilina, conhecido por sua crueldade e corrupção: “Até quando, Bolsonaro, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?”

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Bolsonaro não afronta apenas a esquerda, como pretendem alguns de seus fãs. Bolsonaro afronta valores básicos do processo civilizatório que, uma vez destruídos, irão conduzir à barbárie.

Muitos subestimam o perigo e acreditam que Bolsonaro seja apenas uma personagem folclórica do anedotário político que, com seu ódio cego e sua ignorância, encarna uma atitude “antipolítica”, hoje em dia muito em voga.

Engana-se de forma aguda quem pensa assim. Bolsonaro não é uma personagem folclórica. Disputa e forma opinião e, portanto, poder. Foi o deputado federal mais votado do estado do Rio de Janeiro com mais de 460 mil votos e ainda elegeu o filho Eduardo deputado federal por São
Paulo e outro filho, Flávio, deputado estadual no Rio de Janeiro.

Bolsonaro não fala à toa. Ele representa a vanguarda, a ponta de lança do que há de mais corrupto, sujo e reacionário na política brasileira.

Em um hipotético governo “bolsonariano”, qualquer um que desafiasse a opinião oficial, ou sonhasse em fazer oposição ou mesmo uma simples denúncia sobre desvio ou corrupção enfrentaria a tortura e a morte, como aliás ele mesmo admite ao defender a tortura e os assassinatos políticos, como fez mais de uma vez.

Muitos dos que pensam como Bolsonaro saíram do poder em nosso país há menos de 30 anos. Ou seja, ontem, em termos de tempo histórico. É, assim, natural que estas ideias autoritárias recentemente derrotadas busquem seus representantes ainda hoje. Portanto, é possível compreender que mesmo na segunda década do século 21 encontremos pessoas como Bolsonaro. Mas, convenhamos, a desenvoltura de sua ação criminosa, no entanto, é um escândalo!

Ação criminosa é sim a expressão correta, pois diante do ordenamento jurídico brasileiro é proibido fazer apologia à violência contra pessoas, por raça ou gênero. É proibida também a discriminação racial (ou de gênero, etc.).

Imaginemos a seguinte cena: um palestrante diante de uma plateia qualquer diz que Hitler matou poucos judeus. Admitamos que este alucinado hipotético diga mais: que os judeus deveriam mesmo ser mortos, pois são nocivos. E indo ainda mais longe, o nosso louco “inventado” diria que o Brasil errou ao acabar com a escravidão e que o professor sentado ao seu lado, negro, deveria ser açoitado. É de se esperar que este indivíduo muito justamente saísse algemado da palestra, o que provavelmente aconteceria. Creio que em um exemplo como este ninguém arguiria em favor do mentecapto a defesa da liberdade de expressão, pois todos sabem que liberdade de expressão não é passaporte para o crime.

Pois bem, qual é exatamente a grande diferença entre o insano que citei acima e Bolsonaro?

Por diversas vezes Bolsonaro pregou o fechamento do Congresso e defendeu a censura, a prisão e a tortura como métodos de governo.

Seu filho Eduardo (deputado federal), em recente ato contra a presidenta Dilma em São Paulo, exibiu um revólver na cintura, o que também é contrário à lei, que não permite manifestações armadas.

Em famosa entrevista a Preta Gil em 2011, perguntado sobre o que faria se um de seus filhos se apaixonasse por uma negra, Jair Bolsonaro declarou: “Não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como lamentavelmente é o seu”, aproveitando também a ocasião para destilar sua biles contra os homossexuais. Na época o Vermelho publicou um artigo sobre o fato.

Inimigo declarado dos direitos humanos, Bolsonaro parece não ter limites, agora declarou em pleno Congresso, dirigindo-se à ex-ministra de Direitos Humanos e deputada federal Maria do Rosário, que só não a estupraria “porque você não merece”.

Além da intolerável ofensa a uma mulher, o que em qualquer outro ambiente seria motivo de revolta e sanções, Bolsonaro revelou duas novas facetas de sua doentia personalidade: para ele existem mulheres que “merecem” ser estupradas, e ao usar o verbo “merecer” em um sentido positivo (pois sua clara intenção no caso foi insultar a deputada) ele também revela que o estupro pode ser uma coisa boa, inclusive digna de ser vista como uma recompensa desde que a mulher faça por “merecer”.

Tão escandalosa quanto a persistente impunidade do criminoso Bolsonaro é a omissão da mídia hegemônica. No momento em que escrevo este artigo (22h30m do dia 9), nem o site da UOL (Folha), nem o G1 (Globo) dão qualquer destaque à matéria. Já abordei este aspecto da questão em 2011 quando o jornal O Globo se solidarizou com Bolsonaro no episódio da Preta Gil.

Mais escandaloso ainda será se os democratas não se indignarem e tomarem medidas práticas. Em nome da bancada do PCdoB, a deputada Jandira Feghali fez incisivo pronunciamento, anunciando que a bancada pedirá a cassação do mandato de Jair Bolsonaro.

A correta imunidade de opinião que protege os parlamentares não pode servir de pretexto para que Bolsonaro possa seguir impune diante das leis que transgride, muito menos usando a bandeira da defesa da liberdade de expressão, bandeira com a qual ele manifestamente não tem o mínimo compromisso.

A conquista de mais de 460 mil votos por Bolsonaro na última eleição não deixa, contudo, de ser um poderoso sinal de alerta para o campo popular e democrático sobre os valores em disputa na sociedade, ainda mais quando se sabe que parte significativa desses votos são justamente daqueles que, em um eventual governo ao estilo Bolsonaro, seriam os primeiros alvos de seu ódio desenfreado (pobres, negros, mulheres, etc.). A mídia hegemônica, que pretende ter sempre a extrema-direita à mão para quando precisar de uma tropa de choque em defesa de seus interesses, a tudo isso minimiza e acoberta, sendo nesta área raras as vozes que manifestam o pedido de justiça. Como diria Cícero: O tempora, o mores!

* Wevergton Brito Lima é jornalista, Secretário Estadual de Comunicação do PCdoB-RJ e membro da Comissão Nacional de Comunicação do PCdoB