Vê, há esperança no ar

Há esperança cristalina de quem aposta em vida e solidariedade como caminho para o recomeço.

Foto: Ana Mary C. Cavalcante

Além do vírus, que sufoca e mata, há esperança.

Faz um esforço.

Além do cheiro forte dos corpos em decomposição, em covas precárias e improvisadas, faz um esforço: há esperança.

É duro falar sobre isso. É difícil viver o pesadelo diário da vida real. Pessoas morrendo sem ao menos chegar a um leito de hospital, fome, desalento.

Por isso, alguém tem que falar que há esperança.

Primeiro, há que se fazer o resgate de uma verdade: eles não venceram.

Eles roubaram. Eles golpearam. Eles subverteram o fluxo dos ventos. Mas não venceram.

Prometeram um mundo novo e entregaram uma câmara de gás a céu aberto.

O mundo que prometeram tinha moralismos imbecis, verdades esculpidas em gelo sob sol de 40 graus.

O mundo que eles prometeram tinha promessas inviáveis e maldades indizíveis.

E entregaram corpos sem vida, armas, agrotóxicos, florestas incendiadas, fome.

Mas há esperança no ar.

Não respira fundo, ainda.

Há que se respirar suavemente.

Leva para os pulmões apenas o oxigênio possível para o momento. E leva junto a harmonia de uma música bacana, a dança que quase te fez levitar, a poesia que te embriagou após sorver cada verso, até o último gole/palavra.

Lembra: o martírio não tem tanto tempo. Vivíamos tempos de esperança, apesar de breves e efêmeros.

O martírio chegou e nós resistimos. O martírio intensificou e nós resistimos. Resistimos até quando chegou a asfixia.

E aprendemos a respirar nossas verdades e crenças indeléveis.

Agora, há esperança no ar. Há esperança/vacina. Há esperança/verdade, que rompeu grilhões das masmorras de Curitiba.

Há esperança cristalina de quem aposta em vida e solidariedade como caminho para o recomeço.

Respiremos suavemente a esperança, mantendo profundo respeito pelos que foram e pelos que ainda serão vitimas do genocídio.

E caminhemos em nossos isolamentos. Fiquemos juntos em nossos distanciamentos. Em multidões solitárias em nós mesmos.

Expiremos esperanças e inspiremos rebeldias.

Até que passe o pesadelo para que possamos respirar a plenos pulmões: o cheiro de um mundo novo.

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