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Sergio Vaz: preconceito pega fogo?

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No país das Favoritas, dos Mutantes e do Pantanal, nós que não somos bobos nem nada passamos a noite juntos, no Sarau da Cooperifa. E o que é melhor, vivendo a nossa própria história, capítulo por capítulo, sem ninguém dirigindo nosso destino. Sem vilão. Sem mocinhos nem mocinhas.


 



Só gente de verdade. De todas as quebradas e de todos os lugares. Desse, e de outros mundos. Numa só corrente. Numa só sintonia. Sem interferências. Sem chiado. Sem intervalos comerciais.


 


 


Uma noite maravilhosa no seio farto da periferia, mas que poderia perfeitamente ser também em qualquer outro lugar desse mundo, até porque, gente maravilhosa não é só uma prioridade da periferia. A César o que é de César. E a nós o que é de nós (pode ser?). E a gente quer. E a gente vai pegar.


 



Será que eu posso gostar da minha quebrada como Tom e Vinícius amaram Ipanema, sem que ninguém me encha o saco com preconceito barato? À benção Vinícius e a Antonio Carlos Jobim.


 



Uma noite na quebrada com mais de trezentas pessoas ouvindo e falando poesia, para nós é muito mais que o “fino da bossa”, é ninguém perdendo o trem de Adoniran, “que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã”, e que faz final em Piraporinha, Zona Sul de São Paulo. Bem longe da casa do Ernesto.


 



Peço licença para o poeta Geraldo Filme, mas “quem nunca viu a poesia amanhecer, vai na Cooperifa pra ver”. À benção Adoniran Barbosa e a Geraldo Filme que amaram a periferia do centro em prosa e samba. Lá no “Brás”, e com a “Bexiga” sempre cheia.


 



Aliás, as noites no sarau da Cooperifa parecem que foram compostas por Cartola ou escrita por Plínio Marcos, porque nelas “há dor, mas sem perder o lirismo jamais”.
Dizem por aí que querem contruir uma nação, mas se somos nós que vamos colocar os tijolos, porque também não deixam a gente cimentar o alicerce? É, quem sabe a ssim a casa não cai, e não haja barraco pra desabar… mas se ninguém quer falar sobre isso, a gente fala insistentemente, toda quarta-feira, porque agora é a nossa vez. Agora
é a nossa voz.


 



Nesta noite maravilhosa em que a poesia de Dona Edite ecoava pelos becos claros da quebrada, que Priscila Preta clamava por direitos iguais ao povo preto, que seu Lourival sonhava acordado com um novo amor, que o Cocão e o preto Will apresentaram a sua versão popular, que Lú Souza e Rose Dorea rasgaram o silêncio com a ternura de suas vozes, que Helber Ladislau segurava o leme do navio Negreiro de Castro Alves, e que tantos guerreiros e guerreiras de poemas em punho, com
uma dignidade espartana peitaram o marasmo, ainda teve o reforço do Mensageiro da verdade da Cidade de deus, MV Bill, que nessa noite de luta e glória, assim como todos os outros, foi só mais um… um dos nossos!


 



E como para nós loucura pouca é bobagem, coube ao Fernandinho Beat Box encerrar os trabalhos literários com uma pequena mostra do seu talento musical. Quem não conhece, não sabe, mas ele é o instrumento. Tem gente tentando entender o que aconteceu até agora. Que noite! Ninguém por aqui quer profanar a intelectualidade brasileira, mas Literatura para nós é festa. É roda poética no bumbo das idéias. É
Samba do crioulo doido, mais doido do que nunca. Quem está de fora não conhece o compasso, por isso erra na letra, tropeça no passo. Quanta deselegância…


 



Quem não estiver gostando que reclame com a Academia Brasileira de Letras, eu não posso fazer nada, o incêndio já se alastrou, e ninguém mais quer chorar a palavra derramada.


 



– Aí, preconceito pega fogo? Então fodeu.


 


 


Nota


 


Veja as fotos do sarau da Cooperifa do dia 7 de agosto no blog:
www.colecionadordepedras.blogspot.com