Sem categoria

Passados mais de cem anos, Garcia Lorca continua potente e atual

A última terça-feira (5) marcou os 120 anos do nascimento de García Lorca. Passado mais de um século, o poeta e dramaturgo espanhol continua sendo “um homem do mundo e irmão de todos”.
Por Laís Modelli

Garcia Lorca - Arte - Revista Cult

Federico García Lorca nasceu na Espanha, no dia 5 de junho de 1898, em Fuente Vaqueros, província de Granada. Filho da professora primária Vicenta Lorca, aprendeu cedo a ler e escrever. Publicou seu primeiro livro, Impresiones y paisajes, em 1918, aos 19 anos. Foi precoce em tudo o que se propôs a fazer ao longo da curta vida que teve: na música, como pianista; nas artes plásticas, como desenhista; nas letras, como poeta, e no teatro, como ator e dramaturgo. Adulto, também foi palestrante e conferencista aclamado.

Em 1918, Lorca mudou-se para Madri para cursar Direito, mas sem vocação para as leis. Passou também pelos cursos de Letras e Filosofia. Viveu por dez anos na Residência de Estudantes de Madri, onde dividiu o quarto com o amigo e futuro cineasta Luis Buñuel e foi vizinho do pintor Salvador Dalí. O livro Querido salvador, querido Lorquito, de Vítor Fernández, reúne cartas que detalham o relacionamento, com altos e baixos, entre Dalí e Lorca, de 1923 a 1936. O relacionamento não chegou a ser revelado, principalmente por causa do conservadorismo de uma Espanha pré-franquista, mas também porque o pintor negava a homossexualidade. Da relação, nasceram desenhos de Dalí dedicados a Lorca e o cenário da peça Mariana Pineda, escrita em 1925, durante a época da faculdade.

“Lorca admirava muito Dalí, mas do ponto de vista artístico, ele influenciou mais Dalí do que o contrário. O poeta já era famoso quando os dois se conheceram, na República dos Estudantes. É o Lorca quem abre caminho para Dalí, apresentando-o às rodas de artistas da Espanha”, explica Syntia Pereira Alves, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP com a tese Teatro de Garcia Lorca: a arte que se levanta da vida. Convencido por Buñuel a trabalhar em Paris, Salvador Dalí deixa a Residência de Estudantes de Madri em 1927 e passa a rejeitar o poeta, que se muda para Nova York, onde viveu como estudante na Universidade de Columbia de 1929 a 1930. Do intercâmbio, publicou os poemas de O poeta en Nueva York, uma de suas obras mais conhecidas.

Seis anos após regressar à Espanha, Lorca foi brutalmente assassinado, na região de Granada, no dia 19 de agosto de 1936. Na ocasião, o poeta foi retirado à força da casa de amigos, em uma grande operação do Governo Civil que cercou todo o quarteirão, foi detido e fuzilado junto a três outros homens. Era o início da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o acontecimento europeu mais dramático antes da Segunda Guerra. Até hoje não se sabe o paradeiro do corpo do poeta.

Mesmo com o fim trágico e ainda sem ponto final, Lorca costuma ser lembrado pela genialidade. “A poesia lorquina cheira a flor de laranjeira”, defende Ático Vilas-Boas da Mota na apresentação de Obra poética completa de Federico García Lorca, publicada pela editora Martins Fontes. A verdade é que o poeta era contra a poesia dura e descritiva; contrapôs-se a tal frieza por meio da construção de metáforas – principalmente nos poemas do famoso Romancero gitano (1924-1927), em que a lua, “lúbrica y pura”, atrai a atenção de ciganos por exibir “sus senos de duro estaño”– e da inspiração nos costumes e canções populares da Espanha do início de século – presentes nos versos do Poema do “Cante Jondo” (1921), com os sinos de Córdoba e de Granada ouvidos por “todas las muchachas que lloram a la tierna/ soleá enlutada. Las muchachas de Andalucía/ la alta y la baja/ Las ninãs de España/ de pie menudo y temblorosas faldas”.

A força da obra de Lorca, segundo a professora Margareth dos Santos, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), não reside propriamente em seus temas, mas no modo como os trabalha. “O poeta, como poucos, soube reunir em seus textos, teatrais ou poéticos, uma impressionante condensação simbólica aliada à intensidade dramática. Não é à toa que em sua obra a anedota, sempre presente de forma fragmentária, se dilua em palavras, sons, cores e paisagens que ganham a dimensão de símbolos na medida em que evocam significados múltiplos, que transcendem a fábula que nos é contada de maneira entrecortada”, pontua Margareth. A omissão do contexto narrativo em Lorca é um convite ao leitor a preencher tal espaço com sua própria imaginação, “a partir das pistas que vão além do eixo metonímico da descrição e alcançam a transcendência das inúmeras metáforas e símbolos que vão se acumulando ao longo de seus versos ou dramas”, explica.

Mas imaginação não basta para entender o mundo poético e dramático de Lorca. Entender o contexto político e social da Espanha de fim de século também se faz imprescindível. “Lorca, de fato, foi um grande escritor, no entanto, creio que para compreender o que a crítica designa como genialidade, é preciso pensar as bases que esse conceito pressupõe. É preciso situá-lo em seu contexto político, social e literário, com especial atenção para sua obra crítica”, explica Margareth.
“Podemos observar uma articulação frequente entre uma dimensão intelectiva e um trato afetivo da linguagem poética. A partir desse entrelaçamento, estaria a formulação de um conflito básico em toda sua obra: a contradição entre opressão e liberdade. Desse núcleo conflitivo preliminar, poderíamos dizer que confluem questões universais, como o amor (quase sempre impossível), a morte (frequentemente violenta), a espera e o desejo, para citar alguns exemplos.” A presença do fim brutal, retratado principalmente na peça Mariana Pineda, e o pavor que o poeta tinha da morte, levou o escritor Ian Gibson a refletir no fim de Federico García Lorca, a biografia, publicada no Brasil pela Editora Globo: “Teria ele percebido a semelhança quase sobrenatural entre seu destino e o de sua heroína Mariana Pineda?”.

Depois de vinte anos censurado na Espanha de Franco (1939-1975), a obra do escritor, desenhista e dramaturgo Federico García Lorca entra em domínio público a partir de agosto de 2016.

O poeta sem corpo

A monarquia espanhola durou até 1931, ano em que foi proclamada a República. Cinco anos depois iniciava-se a Guerra Civil. A Europa vivia o embate entre o Fascismo, iniciado na Itália em 1922, e o comunismo, impulsionado pela Revolução Russa de 1917. O conservadorismo na Espanha do início de século unia Igreja e Exército contra o avanço de socialistas, comunistas, anarquistas e democratas liberais no país. É nesse contexto que se desenvolve a obra lorquiana.

Segundo Margareth, “Lorca identificou-se profundamente com o projeto educativo e cultural da República, no qual atuou diretamente como diretor do grupo teatral de estudantes La Barraca, que, entre 1932 e 1936, percorreu 64 cidades e povoados da Espanha, levando o teatro ao povo em mais de cem representações de 13 peças do repertório clássico espanhol, em especial do Siglo de Oro. Essa participação nos ajuda a vê-lo não apenas como um homem de teatro polivalente e completo (ator, diretor, cenógrafo, figurinista, sonoplasta), mas também como um indivíduo que se dedicou a uma contundente ação política, não como simples reflexo da realidade circundante, mas como reflexão sobre esta e suas mazelas”. Apesar de nunca ter se filiado a nenhum partido político, Lorca explorou as questões sociais em sua obra.

O ano de 1936 é o mais engajado politicamente do escritor; não coincidentemente, é nele que ocorre seu assassinato. “Ao longo do primeiro semestre daquele ano, García Lorca explicita suas ideias sobre o teatro e a cultura espanhola, seu posicionamento político e seu apoio à República em uma série de ações: um pouco antes das eleições, participará de atos em apoio à Frente Popular; em março, assinará o telegrama enviado a Getúlio Vargas, pedindo a liberdade de Luís Carlos Prestes; em uma entrevista publicada no jornal madrileno La Voz, denunciará a profanação que significa o uso do município de Alhambra para ritos cristãos; em maio, ao mesmo tempo em que anuncia estar trabalhando numa nova peça teatral sobre a fome, participará das comemorações do primeiro de maio e da organização de um jantar oferecido aos escritores franceses André Malraux, Henri-René Lenormand e Jean Cassou, que estavam em Madri como representantes da Frente Popular francesa e, por fim, em junho, na que seria sua última entrevista, publicada no jornal El Sol, condenará a ocupação de Granada pelos reis católicos, em 1492, que taxará como um desastre para a história e cultura espanholas”, continua Margareth. Nessa última entrevista, disse Lorca: “Yo soy español integral, y me sería imposible vivir fuera de mis límites geográficos; odio al que es español por ser español nada más”, “pero antes que esto soy hombre de mundo y hermano de todos. Desde luego, no creo en la frontera política”.

No contexto de sua morte, Lorca se transformou imediatamente em símbolo de luta social na Europa. “Houve consternação em todo o mundo de língua espanhola, e a imprensa europeia também noticiou o assunto. Quase da noite para o dia Lorca tornou-se um mártir republicano”, escreve Ian Gibson na biografia do poeta. Mas de acordo com Syntia Pereira Alves, a imagem de Lorca tem perdido espaço na discussão política na Espanha atual. “Os estrangeiros se interessam mais por Lorca que a própria Espanha. Isso é um resquício da Guerra Civil”, afirma Syntia, após ter vivido um ano no país como parte da pesquisa de campo para o seu doutorado sobre a obra de Lorca. Segundo a estudiosa, os livros escolares não explicam a causa da morte do poeta granadino. “A geração atual não sabe da importância de Lorca. Na Festa de Federico [festa anual em homenagem a Lorca na cidade de Fuente Vaqueros], eu perguntava às crianças e jovens quem havia sido o poeta e como ele morreu. Eles sabem quem ele foi, mas não sabem que há uma figura de resistência associada a ele”, conta. Na década de 1960, com a liberdade sexual em pauta em diversos países, Lorca foi associado prontamente à causa da sexualidade. Syntia explica que “na época, ele foi considerado o Oscar Wilde da Espanha”. A relação da figura do poeta com o movimento das liberdades sexuais se deu em razão da justificativa de seu assassinato na Espanha: o homossexualismo. Com a década de 1970, o escritor passa a ser associado também a questões políticas e sociais na América Latina, especialmente em países que passaram por ditaduras.

A causa da morte e o corpo nunca encontrado são assuntos que ainda reviram o passado sombrio da Espanha. Segundo Ian Gibson, o documento da morte de Lorca foi efetuado no Registro Civil espanhol quase que um ano após o fuzilamento. “O documento declarava que Lorca morreu ‘no mês de agosto de 1936 em consequência de ferimentos de guerra’. Para o mundo, dava a impressão de que o poeta tinha sido vítima de uma bala perdida”, retrata o escritor na biografia do poeta. Documentos abertos recentemente apontam para uma morte por questões políticas e não para uma ferida de guerra. “Não foi à toa que Lorca foi assassinado junto de dois homens que eram anarquistas”, defende Syntia. No momento da prisão de Lorca, relatos históricos afirmam que um dos guardas teria justificado a ação com a frase: “Ele fez mais estragos com a caneta que outros fizeram com a arma”. A versão acrescenta um episódio a mais para a história mais conhecida, que diz que foram disparadas “duas balas no rabo por ser bicha”, segundo retratou Ian Gibson. Em defesa da justificativa política, Syntia explica que Lorca nunca revelou abertamente sua opção sexual e, em sua obra, apenas deu pistas da homossexualidade na peça El público e na coletânea de poemas publicada postumamente, Sonetos del amor oscuro. “Esses sonetos tiveram sua primeira publicação de forma clandestina, diga-se de passagem, em 1983. Neles, Lorca expressa seu amor por outro homem e a angústia do amor que ele considerava ‘estéril’.”

Sobre o desaparecimento do corpo, Syntia conta que “hoje restam ainda cerca de 130 mil pessoas cujos restos mortais não foram encontrados. A família de Lorca defende que todos sejam encontrados, e não só o dele, por isso não fazem questão da busca. Acontece que Lorca foi fuzilado com outras três pessoas e a família desses desaparecidos é que reivindicam os corpos”.

“Até a década de 1980, não se buscava nada na Espanha sobre o corpo de Lorca. Somente em 2000 é que o governo assumiu a responsabilidade pelo fato.” A primeira escavação se deu somente em 2009, com base nas pesquisas de Ian Gibson. O local escolhido foi o Parque García Lorca, localizado na cidade natal do poeta. A segunda escavação aconteceu em 2013 e 2014, em uma região próxima às cidades de Viznar e Alfacar, também localizadas na província de Granada.

Após declarar que não havia encontrado vestígio algum, o governo foi criticado por diversos ativistas, que lançaram um crowdfunding – financiamento coletivo na internet – para que se possa realizar uma segunda escavação na mesma região, mas em um novo lugar, proposto pelo historiador Miguel Caballero. Se as pistas de Caballero estiverem certas, neste ano – que marca os oitenta anos de sua morte –, o corpo do poeta poderá finalmente ser sepultado com dignidade.

As mulheres de Federico

Nove das doze peças escritas por Lorca em sua maturidade artística são protagonizadas por mulheres. “Ele nunca deu uma justificativa”, explica Margareth. Para a professora, “A figura feminina surge como aquela que é a mais oprimida, não apenas por sua condição social, mas também pelas premissas oriundas do ponto de vista masculino. Daí que as mulheres de suas peças não apareçam simplesmente como vítimas, mas também como cúmplices de sua própria destruição ou como algozes de outras mulheres. Esses perfis estão claramente expostos em três grandes obras do autor: Bodas de sangre, Yerma e La casa de Bernarda Alba”. Margareth diz se impressionar com o modo “como García Lorca maneja com contundência e destreza uma constante que estará presente na produção literária espanhola do pós-Guerra Civil: o estreitamento do horizonte narrativo, pois no espaço asfixiante de La casa de Bernarda Alba, todos os conflitos se centram no espaço doméstico, entre quatro paredes fechadas a cal e canto”, explica. “Em Bernarda Alba, Lorca denuncia os valores que poderíamos chamar de valores da Espanha eterna: como honra, ordem patriarcal e a repressão dos instintos ou de toda e qualquer ação que possa representar a desestabilização da ordem social. Nesta obra, como em Bodas de sangre, esses elementos colidem com o desejo de liberdade dos protagonistas, que aqui, estão representadas por mulheres.”

Fazendo um contraponto a isso, o ator e diretor de teatro Rodrigo Mercadante, que já encarnou no palco o próprio poeta andaluz, conta que “Os homens aparecem como algo sedutor: o sujeito que passa a cavalo na porta, o ex-namorado que vem acabar com o casamento porque é um homem cheio de desejo; o cigano assassinado. Eu tenho a impressão de que a relação dele com os homens é mais erotizada”.

Para a atriz Lilian Lima, que viveu três personagens lorquianos no teatro, cada mulher na dramaturgia de Lorca representa um problema social. “Tem a Noiva de Bodas de sangre, que está absolutamente apaixonada pelo noivo, prestes a se casar, mas planeja tudo para fugir com um homem que foi um ex-namorado da adolescência e vive isso até as últimas consequências. Há a Martírio, de Bernarda Alba, que vive rodeada de mulheres e por isso se sente sufocada; é angustiada, invejosa em relação à irmã, personagem parecida com a Noiva por querer mudar o rumo da história e fugir com um homem. E existe a Mariana Pineda, que existiu na vida real, mas que, sem dúvida, foi romanceada pelo autor, aparecendo na peça com a força de um amor por um homem e por uma causa”, explica a atriz. “Ele tinha admiração pelo universo feminino. A prova disse é que o herói da sua infância foi uma mulher, a heroína Mariana Pineda.”

Lorca e Brasil

Em 1968, publicar poemas de Lorca no Brasil e montar suas peças nos grandes centros urbanos do país significava desafiar, mesmo que indiretamente, a Ditadura Militar. “Lorca se transforma em uma bandeira de luta. Existem relatos de pessoas declamando seus poemas em lugares públicos. Declamavam: ‘Verde que te quero verde’, e outros poemas aparentemente não políticos, interpretados como libelos contra a opressão pela forma como Lorca foi assassinado, como um mártir na luta pela República”, conta Rodrigo.

Nesse mesmo ano, cidadãos espanhóis exilados no Brasil, membros do Centro Cultural García Lorca, convidaram o escultor e arquiteto Flávio de Carvalho a fazer uma escultura em homenagem ao poeta. No dia primeiro de outubro de 1968, com a presença do poeta Pablo Neruda, a obra foi inaugurada, na Praça das Guianas, no Jardim Paulista, em São Paulo. Uma exposição na Biblioteca Mário de Andrade e um espetáculo no Theatro Municipal, com a participação de artistas como Chico Buarque e Geraldo Vandré, completaram as homenagens. No dia 20 de junho de 1969, contudo, a escultura amanheceu em destroços e cercada de panfletos onde se lia: “comunista e homossexual”. O atentado foi atribuído ao CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, mas os culpados nunca foram nomeados. Os jornais, que haviam noticiado durante todo o ano de 1968 assuntos ligados a Lorca, demoraram quase uma semana para retratar o atentado. A escultura foi levada para o depósito da Prefeitura e lá permaneceu até 1971, quando Flávio de Carvalho a restaurou, por conta própria, com o intuito de integrá-la à Bienal de Arte de São Paulo, mas foi impedido de entrar com a obra no pavilhão. De volta ao depósito da Prefeitura, a obra permaneceu relegada ao esquecimento até 1979, quando alunos da Escola de Comunicações e Artes e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, roubaram a peça e a instalaram no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP), no dia em que o prefeito Olavo Setúbal participaria de um evento no local. Dois dias depois, a escultura foi recolocada em seu lugar de origem, onde permanece até hoje.

Em 2013, a Cia. do Tijolo jogou luz sobre a memória da Ditadura Militar brasileira ao montar o espetáculo Cantata para um bastidor de utopias, com base no texto de Mariana Pineda. “Fizemos uma brincadeira: na porta do teatro é encontrado um corpo morto. Os artistas chegam a esse corpo, reavivam-no, e descobrem que é o do próprio poeta desaparecido. O corpo, desaparecido desde 1936, é encontrado na porta de um teatro no Brasil. Então o Lorca entra para o teatro para ajudar a contar a história da Mariana Pineda. Ao longo dessa cantata, a gente vai descobrindo que os personagens são desaparecidos políticos durante os ‘anos de chumbo’ do Brasil”, conta o ator e diretor da montagem, Rodrigo Mercadante. “A atriz Heleny Guariba é uma das personagens que aparecem para contar a história da Mariana Pineda.” Quando a protagonista é garroteada, a peça é suspensa e todo o público é convidado a se sentar em volta de uma grande mesa para ouvir o depoimentos de ex-presos e ex-exilados políticos. Para Rodrigo, tanto a ditadura brasileira quanto o assassinato de Lorca “são histórias muito brutais, que as pessoas acham que já foram contadas, mas elas não foram contadas. Não, pelo menos, do jeito que deveriam ser”.

Rodrigo se recorda do desafio de dar vida ao personagem de Lorca. “Ele era um homem de um carisma incomum. Passa um ano em Nova York e não consegue aprender inglês, então ele se sentava ao piano e recitava poemas em espanhol mesmo, cantava canções da Andaluzia e se tornava o centro das festas. Assim também era quando fazia teatro de bonecos. Somos acostumados a vê-lo como um dramaturgo muito escuro, no sentido do luto, mas Lorca é filho do teatro popular. Sua primeira grande paixão são os teatros de bonecos nas praças. Ele era, em uma comparação, se me permite, o mamulengueiro do Nordeste no Brasil.”