O suave e preciso encanto da palavra saudade

No Dia da Saudade, 30 de janeiro, eis algumas considerações sobre a palavra que nos remete a muitos sentimentos

Balada de la saudade y el corazón

¡La saudade portuguesa!…
¿Que es saudade, corazón?
¿Será la primera lágrima
de nuestro primer amor?
Y el corazón, no sabiendo qué constestar, suspiró…
(Francisco Villaespesa, poeta espanhol).

No Dia da Saudade, 30 de janeiro, eis algumas considerações sobre a palavra que nos remete a muitos sentimentos: tristeza, lembrança e até mesmo felicidade (se a recordação for de momentos alegres).

Sobre saudade já se disse tudo, mas vou abordar as questões linguística e etimológica e opiniões recorrentes sobre o tema, tais como: “A palavra saudade só existe no Português”, “é vocábulo intraduzível para outras línguas”, ou “há termos ou expressões semelhantes no significado em outros idiomas, mas não expressam, com tanta exatidão, o sentimento da saudade”.

Fico com a última opinião: saudade só existe no português – e no galego ou galaico-português – mas é traduzível, sim. Tem, no entanto, mais encanto, precisão, exatidão e força não encontrados nas demais línguas.

As opiniões citadas eu as tenho ouvido – e lido – desde a adolescência, juventude, maturidade e, agora, velhice. Adianto – e vou tentar demonstrar aqui: por isso, fico com a última assertiva: o encanto original da saudade portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, cabo-verdiana, guineense, santomense, timorense, equato-guineense (na Guiné Equatorial há falantes de português), macaense (nascidos em Macau, China, que ainda falam português) e goenses (nascidos em Goa, Índia, minoria de falantes do português).

Observem que o poeta espanhol, no poema acima, fez questão de dizer “la saudade portuguesa”. Ele se refere à língua portuguesa, claro.

Não tenho jamais a pretensão de achar definitivo dizer: saudade é intraduzível, mas o português traduz melhor esse sentimento.

Meu objetivo é a discussão em torno de tema tão precioso para nós, falantes do idioma de Camões, Eça de Queiroz, Florbela Espanca, Saramago, José de Alencar Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector (ucraniana naturalizada brasileira desde a infância), dentre tantas/os outras/os luminares do vernáculo.

Leitor voraz desde 12 anos de idade, sou um curioso de etimologia, semântica. Quarenta anos de prática jornalística diária me levaram a esse interesse sobre a origem, significados e mudanças sofridas pelas palavras através dos tempos.

Daí me veio a ideia de escrever este texto sobre saudade, tendo como gancho o Dia da Saudade que se comemora em 30 de janeiro.

Segundo o Dicionário Etimológico (on-line), saudade “é palavra típica da nossa língua (! )” (…o ponto de exclamação é meu…). Vem de “soedade”, que já foi “soledade”, e que por sua vez provém do latim “solitate”. Acrescentaria “solitas” (de onde vem “solitate”).

O Dicionário Aurélio assim a define: “Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia.

O Dicionário Michaelis tem cinco definições, para o sentimento e até para planta, pássaro e estilo de canções com o nome saudade. Vamos à que nos interessa: “Sentimento nostálgico e melancólico associado à recordação de pessoa ou coisa ausente, distante ou extinta, ou à ausência de coisas, prazeres e emoções experimentadas e já passadas, consideradas bens positivos e desejáveis”.

A palavra saudade resume toda essa variedade de sentimentos em sete letras. Se você sentir recordação melancólica de alguém, basta enviar a esse alguém a seguinte mensagem: “Saudade”. Precisa dizer mais alguma coisa? É intraduzível? Não. É “apenas” difícil de ser traduzida se procurarmos uma única palavra em outro idioma para expressar o mesmo sentimento.

A empresa Guildhawks (guildhawks.com), ex-Today Translations, considera “saudade” a sétima palavra mais difícil de traduzir em todas as línguas do mundo.

Napoleão Mendes de Almeida, no Dicionário de Questões Vernáculas, indaga de maneira arrogante: “Que é ‘longing’ em inglês senão saudade?”. É saudade (mais ou menos!), mas significa também “desejo”, “anseio”.

Segundo a Wikipedia, uma tradução clássica em inglês é “the joy of grief” (a alegria do sofrimento). Também existe “yearning”. Popularmente, se usa muito em inglês a expressão: “I miss you” (estou com saudade de você).

Em francês, temos frase do tipo “tu m’a beaucoup manqué”, isto é, “senti muita saudade de você”. Quatro palavras, ou cinco, quando um falante do português diz para pessoa querida que não vê há algum tempo apenas: “Saudade”. Ou no máximo: “Que saudade”. Tem mais: o verbo “manquer” em francês significa, além de sentir saudades de uma pessoa, sentir falta de qualquer coisa. Exemplos: “je manque de place pour mettre tous seus meubles” (eu sinto falta de um lugar para colocar todos esses móveis). “J’ai pris de pois, je manque d’exercices” (ganhei peso, preciso de exercícios). Há ainda a palavra “désir”, que também significa desejo, para traduzir saudade. Traduz?

No espanhol, há um vocábulo que se pode traduzir como saudade: “añoranza”. “La añoranza por Granada perseguió al artista por toda sua vida” (“A saudade de Granada perseguiu o artista por toda sua vida”). Não seria melhor nostalgia? Mas se diz também “Yo te extraño”, que significa “Eu tenho saudade de você”. Perdoem-me o trocadilho infame, mas é muito estranho. Também em espanhol, nostalgia (pronúncia: nostálrria, os rr bem suaves e guturais) não traduz exatamente o sentimento de saudade. Sente-se nostalgia de épocas passadas, de situações vividas, mas de pessoas, não. A palavra nostalgia existe também em português. Ainda em espanhol existe “anhelo” (anseio, desejo, saudade?…)

Vem o romeno (língua neolatina) com uma bela e sofrida palavra para expressar saudade: “dor” (pronuncia-se dór). Mas toda saudade é dolorida? Nem tanto. Há também boa saudade e até “saudade aliviada”, quando alguém se sente bem com a ausência de pessoa incômoda, mas não nociva.

Optei por citar as línguas (inglês, francês, espanhol e romeno) que já estudei, ainda estudo, leio, ouço e tenho contato. Umas mais, outras menos. Fica aberta a discussão.

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