Meu pai na cadeira de balanço

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Foto: Rangel Junior

A cadeira balanço, feita com ferro e trançada com fios de plástico, vai e vem, mas é um vai e vem controlado. Suas bases estão presas em molas de metal sobre outra base fixa que serve para dar-lhe estabilidade e permitir que as molas presas na frente e atrás promovam o balanço até um certo limite.

Meu pai está nela sentado e não me vê. Perto de completar seus 93 anos, ele ainda alimenta certa esperança no inverno e na política. Mais cedo me disse pra ter paciência, pois o inverno no semiárido nunca foi regular e na política, um dia, tudo haveria de melhorar.

Observo-o à distância pra não atrapalhar sua concentração, apesar de que eu pagaria caro pra saber o que se passa em sua cabeça, no seu olhar distante, e quais operações imaginosas estão se processando sob aquela rala camada de fios de neve em que se tornou sua outrora frondosa cabeleira.

Uma mosca teima em incomodá-lo e ele parece ter desistido de brigar com ela. A vida é assim mesmo, o tempo ensina a brigar somente por coisas muito importantes. Estava há pouco com a raquete chinesa na mão, agora a pôs descansando sobre suas pernas, talvez guardando energia para possíveis pernilongos. Ele costuma me dizer que a raquete mata-mosquito dos chineses só perde pra bússola em termos de invenção.

Fico ali escondido tentando imaginar quanta carga pesada de história e experiências se abrigam sob aquele corpo alquebrado, o rosto engelhado e as vistas cada dia mais curtas. Adolescente na segunda guerra, maduro na ditadura brasileira depois de 64. Os calos de outrora em suas mãos já desapareceram e sempre aperta muito os olhos para perceber algum detalhe, mesmo com suas pesadas lentes “fundo-de-garrafa”. Nega-se terminantemente a usar lentes multifocais, pois “dá muito trabalho ficar treinando pra acostumar os olhos em cada direção diferente”.

É assim o meu velho pai. Desse jeito! Olho pra ele e vejo um relógio antigo, com seu pêndulo pra lá e pra cá, teimando em bater, alimentado por uma corda, sabe-se lá dada por quem, mas ali, repetindo rituais cotidianos como uma máquina quase perfeita.

Sinto uma enorme vontade de ir lá, falar com ele, tirá-lo daquele aparente sossego de monge, mas me contenho. Apenas me escondo pra não ser notado e não interferir na cena, que não se mova uma folha que não seja por causa do vento. 

O frescor da sombra da tarde, que já prepara o ocaso, me faz viajar por infindas estradas. Sinto um cheio de café e “urêia-de-pau” vindo lá da cozinha e percebo que ele também sentiu. É minha mãe cuidando de todos nós, numa cozinha imaginária, que desenhei em meu peito e fiquei aqui, deitado nessa rede, balançando de leve e brincando de matar saudades.

Como diria Caetano Veloso, 

“És um senhor tão bonito/

Quanto a cara do meu filho/

Tempo, tempo, tempo, tempo…”

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