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Luigi Nono, um músico para a luta de classes 

A carreira do compositor italiano Luigi Nono conta a história do comunismo europeu em larga escala: ousado e revolucionário nos anos 60 e 70, reflexivo quando o Partido Comunista Italiano entrou em colapso e a possibilidade de mudança radical recuou. Sua vida é um lembrete de que nenhum artista está livre da política do nosso tempo.

Por Jackson Albert Mann*, no Jacobin
Tradução: José Carlos Ruy

Lugi Nono

No final de 1961, o compositor alemão Hans Werner Henze realizava uma encenação de sua ópera Elegy for Young Lovers, em Munique, Alemanha. Um velho amigo de Henze estava sentado na plateia. Na metade do primeiro ato, o amigo levantou-se de repente e forçou uma fileira inteira a se levantar para que ele saísse. Este homem era Luigi Nono, compositor mundialmente famoso e membro do Partido Comunista Italiano (PCI).

Em sua autobiografia, Henze relata que Nono, ao ser então questionado sobre seu comportamento naquela apresentação, derrubou violentamente uma mesa, quebrando porcelanas caras. Como um velho amigo, Henze devia estar ciente do que afetava Nono: sua Elegy não tinha conteúdo político explícito e contemporâneo.

Dada a vida e o trabalho de Nono, sua reação, por mais melodramática que fosse, tinha sentido. Ele era um antifascista e comunista que passou anos desenvolvendo uma teoria e prática revolucionária para a arte. Assistir seu colega Henze, comunista e também membro do PCI, encenar uma ópera que aparentemente não nada tinha de política foi irritante para Nono, especialmente dado o contexto histórico.

Para Nono, a revolução estava em todo lugar. Lutas anti-imperialistas surgiam na América Latina e Sudeste Asiático, e seu compromisso era apoiá-las através da música. Qualquer artista revolucionário que não estivesse imediatamente envolvido com essas questões não era, para Nono, um artista revolucionário. Um compositor revolucionário precisava ser um “músico-ativista, não acima, mas dentro da luta de classes”, disse.

A visão de Nono pode tê-lo feito, às vezes, impetuoso e obstinado. Mas também produziu um corpo de trabalho flexível e muitas vezes surpreendente ao longo de sua vida. Como as condições históricas mudaram e as perspectivas revolucionárias diminuíram, a música de Nono também se adaptou. Em diferentes momentos, incorporou notas carregadas de antifascismo, ou um reflexo do declínio do PCI e o fechamento de alternativas durante a ascensão do neoliberalismo.

Mas mesmo em períodos de derrota da classe trabalhadora, Nono não perdeu a perspectiva política de sua arte. Para os artistas que hoje olham para a realidade ao redor – das novas oportunidades para os socialistas à ameaça da extrema direita –, a vida e o trabalho de Nono oferecem muita inspiração.


Manifestação do PCI nos anos 50: partido influneciou obra de Luigi Nono
 

Nono nasceu em 29 de janeiro de 1924 em Veneza. Seu avô paterno e homônimo tinha sido um pintor conhecido por retratar a vida brutal dos pobres venezianos. Seu tio Urbano Nono, escultor, desenhou o monumento em Florença dedicado a Daniele Manin, líder da revolucionária República de San Marco (Veneza) no levante de 1848.

O pai de Nono era engenheiro e a família levava a uma vida sólida de classe média alta. Seus pais eram músicos amadores envolvidos nos animados círculos artísticos da cidade. Nono começou a estudar piano com um amigo da família aos doze anos, mas desistiu porque achou o instrumento tedioso. Passou então a explorar as paisagens sonoras de Veneza, particularmente os ecos da Basílica de San Marco, que começou a frequentar regularmente para contemplar a “acústica especial” da catedral.

A infância de Nono foi passada sob o governo fascista. Foi nessas condições opressivas que chegou pela primeira vez à política radical de esquerda. Quando adolescente, assistiu a reuniões socialistas e a mostras de arte subversivas. Depois de se formar em 1942, conseguiu evitar o recrutamento militar com a ajuda de um médico simpatizante dos socialistas, que lhe deu um diagnóstico de doença incurável. Matriculou-se Universidade de Pádua e começou a estudar música seriamente.

Enquanto estava na universidade, começou a trabalhar secretamente para a Resistência Italiana. Durante a luta contra o regime decadente de Mussolini, ele se tornou comunista. Distribuía boletins informativos, escondia armas e auxiliou no movimento da resistência. No dia da libertação de Veneza, em 28 de abril de 1945, Nono, com 21 anos, estava em ação, ajudando os guerrilheiros a tomar e ocupar prédios importantes.

Logo após a guerra, Nono conheceu dois homens que tiveram impacto significativo em seu trabalho, Bruno Maderna e Hermann Scherchen. Em 1946, foi apresentado a Maderna, um companheiro veneziano apenas alguns anos mais velho que ele, e um prodígio musical que já tinha uma carreira de sucesso como intérprete e compositor. A “música viva” de Maderna foi a primeira grande influência na teoria e prática de Nono. Sua ideia básica era que as composições musicais eram historicamente contingentes e não podiam ser adequadamente entendidas fora de seu contexto histórico. Essa abordagem seria a base da arte revolucionária e da estética política de Nono.

Os dois homens conheceram Scherchen em 1948, quando participaram de um curso que ele ministrava em Veneza. O músico mais velho rapidamente os adotou. Foi Scherchen, um socialista, que apresentou Nono a movimentos europeus de esquerda fora da Itália.

Em 1950, com a ajuda de seus dois mentores, aos 26 anos de idade, Nono participou do Curso Internacional de Verão para a Nova Música (Internationale Ferienkurse für Neue Musik) em Darmstadt, na então Alemanha Ocidental. Era um encontro anual de jovens compositores, que incluia Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez, John Cage e o velho amigo Hans Werner Henze. A primeira apresentação pública de Nono, depois de quase uma década de estudo, ocorreu neste encontro. A peça, chamada Variazioni Canoniche (Variações Canônicas) foi uma série de variações baseadas na Ode de Napoleão, de Schoenberg. Nono voltaria a Darmstadt todos os verões na década seguinte.

Dois anos depois, em 1952, Nono e Maderna tentaram se filiar ao PCI que, inicialmente, não aceitou sua adesão. Ambos eram praticantes do serialismo, um método de composição musical que se originou com Arnold Schoenberg, que foi denunciado pelo realismo-socialista institucionalizado na União Soviética como “burguês” e “formalista”. O PCI, como muitos partidos comunistas na época, ainda estava sob influência da União Soviética e por isso se submeteu a esta orientação estética. Mas Nono, que nunca desistiu, fez um grande esforço para convencer o secretário veneziano do PCI de sua absoluta sinceridade, visitando-o pessoalmente para defender seu ponto de vista. Os líderes do partido cederam, e a filiação deles foi aceita.


Luigi Nono, em Donaueschingen (Alemanha), em 1957
 

Em meados da década de 1950, Nono havia desenvolvido a base de uma robusta prática artística revolucionária e uma teoria da estética política. Sua prática concentrou-se em localizar oposições na produção de arte – por exemplo, a luta entre os diferentes meios artísticos de música, design e dança em um palco de ópera. Nono acreditava que essas oposições poderiam ser superadas pelo compromisso artístico, um termo que tomou emprestados da teoria literária do filósofo Jean-Paul Sartre, que afirmou que a arte deve “revelar a situação (…), a fim de mudá-la.”

Para Nono, o objetivo comum era revelar o caráter criminoso do capitalismo, que poderia transformar a luta entre os meios artísticos em uma ação dialética. Na década de 1950, acreditava que, a fim de estar comprometido como compositor devia dedicar-se ao serialismo, ainda na vanguarda musical europeia, como uma ferramenta artística para garantir a hegemonia política e cultural dos movimentos de resistência antifascista. O principal tema da música de Nono nos anos 50 foi o antifascismo. Foi essa dedicação ao momento político contemporâneo que acabou levando-o à ruptura dramática com os outros compositores de Darmstadt.

A cantata antifascista de Nono para vozes solistas, coro e orquestra, Il Canto Sospeso causou muita controvérsia na estreia em Darmstadt em 1955. Isso foi em parte o resultado da cultura da Alemanha Ocidental na época, ainda traumatizada por sua participação nos piores crimes do nazismo. Mas também foi devido à resposta negativa de seus pares.

O texto da peça é composto de uma série de cartas de combatentes antifascistas presos, escritas logo antes de suas execuções. Stockhausen era altamente crítico do tratamento serialista que Nono havia dado ao libreto. Acreditou que isso tornava grande parte do texto difícil de entender e obscurecia a mensagem antifascista.

Nono ficou enfurecido com a acusação de que ele estava escamoteando os crimes fascistas. Em resposta a Stockhausen, disse: “A mensagem dessas cartas (…) é esculpida em meu coração (…) como um exemplo do espírito de sacrifício e de resistência contra o nazismo”. Esse tratamento rigoroso não era para obscurecer a mensagem, mas “transpor o seu significado semântico para [minha] linguagem musical”.

O mal-estar desse debate permaneceria por décadas. Vinte anos depois, em 1976, ele ainda se referia à crítica de Stockhausen a seus primeiros trabalhos.

No final do seu período de Darmstadt, Nono, então com 36 anos, compôs sua primeira grande obra – ou, como chamava, uma “azione scenica” (“ação cênica”), Intolleranza de 1960 (Intolerância 1960), que estreou em 1961 no Teatro La Fenice em Veneza. Conta a história de um trabalhador migrante que é preso e levado a um campo de concentração. Nono deixa claro sua lealdade radical da esquerda, incorporando no libreto slogans como “No Pasaran” (Não passarão), “Nie Wieder” (Nunca mais) e “Morte ao fascismo e liberdade para o povo”. Por isso, a estreia teve censura política e houve infiltração de neofascistas, que gritam “Viva la Polizia” (Viva a Polícia) na cena em que o migrante era torturado por policiais.


Nono sintetizou seus pensamentos sobre forma e conteúdo
 

Durante essa produção, Nono começou a sintetizar seus pensamentos sobre forma e conteúdo. Voltando à sua fascinação infantil pela paisagem sonora da Basílica di San Marco, reconheceu a aura e o formato físico do desempenho como uma forma em si mesma – um espaço que poderia ser organizado para apoiar o conteúdo político revolucionário de sua arte. Nono começou a democratizar o palco, abrindo-o e pondo o público no centro da ação. O uso de novas tecnologias foi fundamental para transformar o desempenho de uma experiência passiva em uma atividade ativa. Nono começou a experimentar a integração de novos meios, como filme e design de som em seu trabalho.

Intolleranza 1960 foi sua primeira peça importante a usar essas técnicas experimentais. Imagens projetadas, texto, filme, sons eletrônicos, vozes sampleadas e música amplificadas por alto-falantes colocados ao redor do teatro bombardearam o público. A sobrecarga sensorial e o conteúdo político altamente carregado combinaram com o estilo serialista de Nono para torná-lo um trabalho ousado e de confronto.

A segunda apresentação da ópera, em 1964, em Boston, novamente causou controvérsia. Foi negado a Nono, por sua filiação política, o visto exigido para entrar nos EUA, causando semanas de atraso nos ensaios. A política da peça criou uma séria tensão no set. Nono havia substituído muitas das imagens projetadas, filmes e textos originais por novos conteúdos específicos para os EUA, e o elenco e a equipe ameaçaram uma greve em protesto contra o enfoque “injusto” nos crimes de intolerância nos EUA. Em uma carta enviada após a apresentação, Nono acusou a diretora estadunidense Sarah Caldwell de censura por tentar tirar o termo “burguês” e a expressão “exploração capitalista”.

As décadas de 1960 e 1970 foram os anos mais politicamente engajados da vida de Nono; foram os anos dos movimentos anti-imperialistas e socialistas na América Latina e no Sudeste Asiático, e dos movimentos estudantis e de trabalhadores nos países do centro capitalista. A emoção dessas lutas está refletida em sua música: Siamo o Gioventù del Vietnam (Somos a juventude do Vietnã), Ricorda Cosa ti Hanno Fatto in Auschwitz (Lembre-se do que fizeram em Auschwitz) e Non Consumiamo Marx (Não consumimos Marx) são apenas algumas peças.

Uma peça, La Fabbrica Illuminata (A fábrica revelada), que estreou em 1964, foi composta em protesto contra as más condições de trabalho numa fábrica de aço em Gênova, a Italisider . Tem uma voz de soprano flutuante, solitária, atacada por todos os lados por coros pré-gravados e ruídos mecânicos de gravações que Nono havia coletado na fábrica. Enquanto a peça continua, samples da soprano são tocados, como se fantasmas do começo da peça viessem assombrar seu fim. O público da estreia incluiu uma delegação de trabalhadores da Italisider e Jean-Paul Sartre. La Fabbrica Illuminata teve enorme sucesso e Nono fez uma turnê de palestras, visitando sindicatos para apresentar e discutir a peça.

Em 1967, Nono viajou pela América Latina como embaixador cultural do PCI. No Chile, encontrou o lendário músico socialista Victor Jara e os dois se mantiveram em contato até o assassinato de Jara, durante o golpe militar de Pinochet, em 1973, com apoio dos EUA. No Peru, foi professor convidado na Universidade de San Marcos, em Lima. Por expressar apoio aos presos políticos que lá havia, foi preso e enfrentou um interrogatório, antes que o governo italiano intervisse por sua libertação. Passou algum tempo em Cuba, onde teve um encontro pessoal com Fidel Castro.

Em abril de 1975, seu segundo (e mais explicitamente político) trabalho operístico, Al Gran Sole Carico d’Amore (O grande sol cheio de amor), estreou no Teatro alla Scala, em Milão. A peça se move entre a Comuna de Paris de 1871 e a Revolução Russa de 1905. Textos de Bertolt Brecht, Karl Marx, Vladimir Lenin, Che Guevara e Fidel Castro foram combinados para formar um libreto fortemente político. O coro, que representa os heróis mártires da classe trabalhadora, estava virado para cima em lajes suspensas pairando atrás da cena.


Nono usou em sua obra textos de líderes comunistas como Marx, Fidel e Lenin
 

A música de Nono começou a ter uma virada mais reflexiva durante o final dos anos 70. Sua agitação artística pelo futuro comunista foi substituída por um modo calmo e contemplativo de expressão. A evolução do seu estilo é por vezes atribuída a uma mudança na sua ideologia política, para a qual chamou a atenção o filósofo Massimo Cacciari, de quem Nono recentemente se tornara amigo. Não é uma opinião correta. Cacciari também foi membro da PCI. Sua filosofia era de fato menos agitadora, mas isso tinha pouco a ver com o estilo musical em evolução de Nono. Os acontecimentos históricos estavam levando ambos a conclusões semelhantes.

Nos países do centro capitalista, os ganhos social-democráticos e do New Deal, do pós-guerra, estavam prestes a ser erradicados pelo neoliberalismo que emergia. O realismo capitalista da ordem neoliberal viria a consumir a esquerda eleitoral, incluindo grande parte do movimento anti-imperialista que Nono tinha apoiado nos anos 60. Os efeitos disso se deram gradualmente na Itália. Nono juntou-se ao Comitê Central do PCI em 1975 e viu que ele teve ganhos eleitorais significativos. No entanto, após a tentativa de Berlinguer de um “compromisso histórico” com o centro político, Nono viu o PCI perder energia ao longo da década de 1980.

Foi um momento sombrio para um artista empenhado em se envolver com o momento contemporâneo. Não é de admirar que sua música tenha adquirido um estilo mais reflexivo. No entanto, dizer que sua ideologia política tenha mudado durante esse tempo não corresponde ao que ocorria. Nono ainda estava envolvido com o contemporâneo. Se sua música já não tinha conteúdo revolucionário, não é porque ele tenha deixado de ser um revolucionário, mas porque o momento contemporâneo não tinha potencial revolucionário. Havia ainda as lutas que aconteciam no mundo, por exemplo os sandinistas na Nicarágua ou o movimento socialista pan-africano de Thomas Sankara em Burkina Faso. Mas o estudante, o trabalhador e os movimentos anti-imperialistas dos anos 60 e 70 aparentemente desapareceram com a ascensão do neoliberalismo.

No início da década de 1980, Nono e Cacciari colaboraram em uma nova obra operística, Prometeo: Tragedia Dell’Ascolto (Prometeu: tragédia da escuta), que contou várias versões do mito de Prometeu usando textos de vários autores, incluindo Walter Benjamin e Rainer Maria Rilke. Prometeu foi composto especificamente para as propriedades acústicas da Basílica di San Marco, a igreja que intrigou Nono quando criança. Mas a estreia se deu em outra igreja em Veneza, San Lorenzo, em 1984.

Para Prometeu, Nono concentrou toda sua energia na democratização do espaço auditivo e físico. O “palco” não era mais uma cena estática da ação, mas uma apresentação centrada, titânica omnidirecional. Uma enorme câmara de ressonância de madeira foi construída com especificações exatas para que mesmo o mais minúsculo pianíssimo pudesse ser transportado através de San Lorenzo com total clareza.

Friedrich Spangemacher, um compositor e crítico de música a comparou a “uma moldura de navio.” Os cantores e instrumentistas foram colocados em todos os lados da igreja em níveis variados. Cada músico tinha um microfone. Os feeds desses microfones foram alterados eletronicamente e enviados para vários oradores colocados em torno do público.


Execução de Prometeu, de Luigi Nono, no Teatro alla Scala, em Milão (1986)
 

Se abordada por conta própria, Prometeu é uma música triturante e cacofônica, cheia de saltos melódicos dissonantes e sopros de metais e de madeira. Mas, para o corpus de Nono, é muito manso. Há uma acentuada falta de cromatismo (o uso das 12 notas do sistema musical) que era uma característica típica de seu estilo serialista. Há um centro flutuante que o fundamenta. Intervalos consonantais como o 5º e o 8º são mais frequentes do que nunca.

A música de Nono é sempre inquietante, seja por suas referências aos crimes brutais do capitalismo ou por sua dissonância brutalmente alta. Prometeu, apesar de seu conteúdo menos explícito e linguagem musical mais fundamentada, é uma música muito perturbadora. O libreto é resmungado por duas vozes que são frequentemente abafadas pelo coro e pela orquestra. De vez em quando, um único “Prometeu, Prometeu” é ouvido sob as densas texturas vocais e instrumentais. Abaixo até mesmo das vozes murmurantes, um latão ou um sopro de madeira às vezes começa a ranger como uma porta quebrada ou um animal perdido.

Em vez de desenvolver uma ideia musical clara, Nono permanece em fragmentos de ideias melódicas, acordes únicos ou ritmos curtos antes de passar a algo novo. Mais tarde, ele descreveu Prometeu como um arquipélago de contradições musicais. Foi um arquipélago que explorou em sua busca por uma nova luta, uma nova resolução para o problema da “vida real [sendo] muito mais avançada do que a realidade política”.

Nono permaneceu um membro ativo do PCI até sua morte, em 1990. E seu trabalho reflexivo não é politicamente agnóstico. Pelo contrário, é uma reflexão explicitamente marxista, caracterizada pelos textos com os quais ele estava envolvido na época, particularmente o trabalho de Walter Benjamin. Para Nono, continuar a agitar-se pelo futuro socialista era inútil em um mundo onde as forças dedicadas a criá-lo haviam sido derrotadas.

Sem uma luta clara para se comprometer, sua música não poderia transcender as oposições dialéticas que ele via como endêmicas para a arte. Em vez disso, passou a acreditar que envolver-se com o momento atual significava refletir sobre essas duas oposições e por que a luta para transcendê-las artística e politicamente fora derrotada. Ele estava especialmente preocupado com a contradição entre o futuro aparentemente sombrio e as lutas heroicas do passado, uma atitude artística que chamou de “nostalgia pelo futuro”.

Durante os últimos anos de sua vida, Nono ficou obcecado com uma citação que viu pintada a spray na lateral de um mosteiro durante uma viagem em 1985 a Toledo, na Espanha. Era uma frase do poeta republicano espanhol Antonio Machado: “Viajantes, não há caminho para viajar, só se viaja”. A citação falava claramente da posição de Nono como músico-ativista em busca de uma causa. Durante a meia década seguinte, ele compôs cinco peças inspiradas por essa ideia. Mas, apesar da dura realidade política, Nono nunca foi um derrotista. Em vez disso, ele se deleitava examinando os atos de exploração e reflexão, esperando que a solução, a luta, acabasse se revelando.


Placa no memorial a Luigi Nono, em Veneza
 

Em 8 de maio de 1990, Luigi Nono faleceu em sua casa no Zaterre al Ponte Longo, em Veneza, aos 64 anos. Para artistas de esquerda, ele oferece uma estrutura para criar e julgar a arte politicamente comprometida. Isso é desesperadamente necessário em um mundo que está começando a emergir da imaginação política do realismo capitalista. Embora o fim da hegemonia neoliberal seja animador, as catástrofes econômicas e climáticas assombram o renovado movimento socialista.

Cabe aos artistas socialistas criar uma cultura de esquerda robusta que possa apoiar um movimento suficientemente forte para mudar radicalmente as nossas possibilidades políticas e sociais, se quisermos evitar a crise vindoura. Nono estava totalmente comprometido com as duas maiores lutas que ocorreram durante sua vida. Os artistas socialistas de hoje recusam ser assim tão comprometidos. Quando perguntado sobre sua razão para fazer música, Nono foi absolutamente claro: “A batalha contra o fascismo e o imperialismo é o meu propósito na vida”.

* Jackson Albert Mann, ativista, músico e escritor de Boston (EUA), é professor no Berklee College of Music e no Bunker Hill Community College. É membro dos Socialistas Democráticos da América, em Boston.

Conheça algumas peças de Luigi Nono
Intolleranza 1960

Al Gran Sole Carico D´Amore

La Lontananza Nostalgica Utopica Futura

Variazioni Canoniche Sulla serie dell'op.41 di Arnold Schönberg

Canti di Vita e D'Amore: Sul Ponte di Hiroshima

Variazioni Canoniche

Il Canto Sospeso