*
Publicado 14/09/2007 15:51 | Editado 13/12/2019 03:30
As palavras
se reanimam
recusam a base
mas propícia, o papel
de Fabriano, a tinta
nanquim, a pasta
de couro ou de veludo
que as guarde em segredo;
as palavras
quando se despertam
se ajeitam no verso
das faturas, nas margens
dos bilhetes de loto,
sobre os convites
para casamento ou enterro,
as palavras
não pedem mais do que
a confusão das teclas
da Olivetti portátil,
do que a escuridão dos bolsos
do colete, do que o fundo
das cestas de papéis, reduzidas
a bolinhas,
as palavras
não ficam nada contentes
de serem postas para fora
como meretrizes e acolhidas
com o furor de aplausos
e desonra;
as palavras
preferem o sono
na garrafa fechada ao ludíbrio
de serem lidas, vendidas
embalsamadas, hibernadas,
as palavras
são de todos e em vão
se ocultam nos dicionários
porque há sempre o marrão
que desenterra as trufas
mais fedorentas e mais raras;
as palavras
após uma espera eterna
renunciam à esperança
de serem pronunciadas
de uma vez por todas
e de morrerem depois
com quem as possuiu.
Eugenio Montale Poesias
Seleção, tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti
Prefácio de Luciana Stegagno Picchio
Editora Record – Edição Bilíngüe, 1997