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Erlon Paschoal: A barbárie contra-ataca

Na década de 90, a diretora de teatro francesa, fundadora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine, montou um espetáculo sobre Sarajevo, cidade símbolo da barbárie e da carnificina pós-moderna, e fez na ocasião uma greve de fome em solidariedade às milhare

Hoje vemos estarrecidos nos noticiários os bombardeios perpetrados pelos israelenses em sua sanha assassina pelo extermínio do povo palestino, escolhendo a data mais importante do calendário cristão, o nascimento de Jesus justamente naquela região, para um ataque contra todos os valores humanos. Seria possível imaginar um espetáculo teatral capaz de abordar esse outro espaço-símbolo da barbárie pós-moderna em nossos dias, vista por quase todos os grandes líderes mundiais com complacência e até mesmo descaso?



Por vezes me pergunto: quem é mais assassino? Aquele que amarra explosivos ao corpo e vai para os ares junto com eles, ou aquele que de um avião, de um tanque ou de um navio, lança uma bomba teleguiada a quilômetros de distância?



Assistimos impotentes a um ataque insano perpetrado pelos israelenses, com o aval e apoio tecnológico dos norte-americanos, aos territórios palestinos na Faixa de Gaza, em pleno Natal. Usando como pretexto o lançamento de alguns foguetes pelo Hamas, assassinaram centenas de cidadãos, puseram abaixo inúmeras edificações e lançaram bombas em dezenas de alvos civis. Os feridos e mutilados nos bombardeios não passam de pequenos efeitos colaterais, comuns neste tipo de operação, segundo declarações oficiais dos verdugos. E não pretendem parar por aí.



Por uma dessas tragédias irônicas da história humana o Holocausto acompanha de perto o povo judeu: numa época foi vítima, agora transforma-se num carrasco implacável. Freud certa vez escreveu que o torturado quando assume o papel inverso torna-se ainda mais frio e cruel.



O descaso pela vida do muçulmano propagado e inculcado pela mídia norte-americana nos corações e mentes ocidentais, significa um retrocesso no processo civilizatório e um golpe fatal na aproximação necessária entre culturas distintas num mundo que tende cada vez mais a se globalizar e a interagir.



Susan Sontag, que encenou Esperando Godot na Sarajevo sitiada, afirmou na ocasião: “Muitas outras guerras como essa vão ocorrer. Guerras que parecem guerras civis, mas não são. Essa guerra foi mais uma agressão contra a humanidade”.



Não se trata portanto de sermos a favor ou contra o judeu, a favor ou contra o muçulmano, a favor ou contra o norte-americano… Trata-se de sermos a favor da vida, do respeito mútuo e da dignidade humana.



No fundo, sempre queremos acreditar que o bom senso algum dia prevaleça nos homens públicos e influenciem suas decisões. Equívoco ou não, é preciso no mínimo começar a afirmar categoricamente que isso é um crime contra a humanidade, que não equivale a um “desastre natural” e menos ainda que se trata de  algo “inevitável”, herdado dos antepassados. Talvez assim, possamos formar a nossa própria opinião e nos posicionarmos frente aos fatos com mais independência e sensibilidade.
 


O momento atual exige cada vez mais de todos os indivíduos sensatos e íntegros posições mais firmes contra a ganância desmedida e o extermínio de povos e culturas, antes que seja tarde demais.