E o Oscar vai para… Lupicínio Rodrigues?!

Família de Lupicínio enviou à Academia uma carta cobrando tão-somente o “reconhecimento da indicação ao Oscar de um compositor-afro-brasileiro”

Os homens que levaram o Brasil pela primeira vez à mais badalada premiação do cinema internacional não eram cineastas – mas, sim, cantores e compositores. Em 1945, músicas de autoria de Ary Barroso e Lupicínio Rodrigues concorreram ao Oscar e marcaram a estreia do País na premiação.

A indicação de Rio de Janeiro, de Ary, ao Oscar de melhor canção original é notória e comemorada. A composição embalava o musical Brazil, que também disputou as estatuetas de melhor trilha sonora e melhor mixagem. Até este mês, todos saudavam Rio de Janeiro como a nomeação pioneira do País na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. Esta era, pelo menos, a história “oficial”.

Deve-se a Alfredo Manevy, diretor de Lupicínio Rodrigues – Confissões de um Sofredor, um estrepitoso “alto lá” nessa versão. Seu documentário revela a luta da família de Lupicínio por um reconhecimento – justíssimo, por sinal – do Oscar. É que o filme norte-americano Dançarina Loura (Lady Let ‘s Dance), de Frank Woodruff, concorreu ao Oscar de melhor trilha sonora, mas não deu o devido crédito à canção Se Acaso Você Chegasse, do compositor gaúcho. A Academia tampouco inclui Lupicínio na lista dos indicados.

No longa-metragem, a música de sua autoria é executada em uma versão instrumental, sem letra. Como tampouco havia crédito, parecia uma canção criada especialmente para aquela produção, embora Se Acaso Você Chegasse tenha sido composta e lançada seis anos antes – o filme é de 1944, e a música, de 1938. Ao assistir ao musical em um cinema de Porto Alegre, Lupicínio teria se sentido comovido e lisonjeado. Referência num estilo musical até então estigmatizado – aquele que celebra a “dor de cotovelo” dos homens” –, o artista via uma de suas obras mais marcantes ganhar o mundo.

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“Lupicínio é um exemplo da força e da vitalidade da música brasileira, daquilo que diz muito sobre a nossa alma – e a música brasileira é muito querida mundo afora”, diz Manevy. “Nada mais justo que Lupicínio tenha seu nome creditado devidamente e possa nos orgulhar como o primeiro brasileiro indicado ao Oscar, em 1945.”

A família do compositor enviou à Academia uma carta assinada por Lupicínio Rodrigues Filho, que cobra tão-somente o “reconhecimento da indicação ao Oscar de um compositor-afro-brasileiro” – nada mais. “Esclarecemos que não queremos qualquer retorno financeiro, mas apenas o reconhecimento moral e simbólico, inequívoco e perpétuo”, avisam os herdeiros do compositor.

Conforme a carta, “é motivo de incompreensão (…) que a contribuição do compositor Lupicínio Rodrigues segue, em pleno ano de 2023, passados mais de 77 anos, sem o devido reconhecimento desta prestigiosa organização de Hollywood referente à autoria e participação na trilha sonora indicada ao Oscar”. Para os herdeiros, eis um “direito inalienável e irrenunciável”.

O fato é que, há quase oito décadas, Brazil e Dançarina Loura, os dois filmes com músicas compostas por brasileiros – uma com o crédito, a outra sem – saíram da cerimônia sem prêmios. Mas é preciso reparar os fatos. Tanto Ary Barroso quanto Lupicínio Rodrigues são personagens da 17ª cerimônia de entrega do Oscar, em 15 de março de 1945, no antigo Grauman’s Chinese Theatre (hoje TLC Chinese Theater Imax), no Pátio das Estrelas, em Hollywood.

“Se eles vão dar ou não o crédito devido, pouca importância tem – porque a indicação já houve e foi um critério deles, não nosso”, explica Lupicínio Rodrigues Filho ao G1. “Estamos buscando apenas o reconhecimento. A medalha já existe, digamos assim – só não foi entregue a quem é de direito.”

Leia abaixo a carta da família de Lupicínio à Academia:

À Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Academy of Motion Picture Arts and Sciences),

Esta carta é endereçada à prestigiosa Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que, há 95 anos, atribui o Oscar aos melhores do cinema, e que tem feito um grande esforço de valorização dos afro-descendentes.

Nós encaminhamos à Academia este pedido de reconhecimento da indicação ao Oscar de um compositor-afro-brasileiro, Lupicínio Rodrigues, que conforme reconhecem especialistas e está bem documentado no filme Lupicínio Rodrigues, Confissões de um Sofredor (2022), dirigido por Alfredo Manevy para o Canal Curta!, é o autor da música Se Acaso você Chegasse, integrante da trilha sonora no filme norte-americano Lady Let ‘s Dance, dirigido por Frank Woodroof, estrelado por Belita e lançado em 1944 no Estados Unidos.

Em que pese a música de Lupicínio constar na trilha sonora, o nome do compositor foi subtraído tanto dos créditos do filme, como da indicação ao prêmio de melhor trilha de filme musical (Music – Score of a musical picture), no ano de 1945.

Esta carta é uma iniciativa da família Rodrigues, encabeçada por Lupicínio Rodrigues Filho, filho, herdeiro e curador da obra do compositor Lupicínio Rodrigues e por outros parentes e descendentes do artista. Poderá também ser assinada por admiradores do artista no Brasil e no mundo.

Nascido em Porto Alegre em 16 de setembro de 1914 e falecido em 27 de agosto de 1974, Lupicínio Rodrigues foi um dos maiores compositores musicais de todos os tempos com centenas de composições gravadas no Brasil e no mundo.

No documentário longa-metragem Lupicínio Rodrigues, Confissões de um Sofredor, recém-lançado no Brasil, foi revelado que o compositor Lupicínio Rodrigues, autor da obra Se Acaso Você Chegasse, produzida e gravada aqui no Brasil, teve a música indicada ao Oscar, mas não teve o reconhecimento da Academia, seja como autor da obra, seja da titularidade como compositor na trilha sonora da obra cinematográfica.

É motivo de incompreensão para nós que a contribuição do compositor Lupicínio Rodrigues segue, em pleno ano de 2023, passados mais de setenta e sete anos, sem o devido reconhecimento desta prestigiosa organização de Hollywood referente à autoria e participação na trilha sonora indicada ao Oscar, mesmo sendo um direito inalienável e irrenunciável.

A indicação de trilha sonora ao Oscar é motivo de orgulho para nós brasileiros, por toda a importância que a obra de Lupicínio Rodrigues tem para a música brasileira e pela sua importância internacional, dado que Lupicínio tinha apenas 32 anos quando foi avisado por amigos que uma música sua estava em cartaz num filme de Hollywood num cinema da cidade de Porto Alegre. Lupicínio trabalhava como Bedel numa universidade justamente porque não recebia renda suficiente de suas composições.

O próprio Lupicínio soube por acaso na época que sua música era parte do filme, e mais tarde inúmeros historiadores já confirmaram a música no filme. Infelizmente, na época, a canção não foi creditada pelos produtores da obra, o que levou o Oscar ao equívoco. Sabemos que créditos e direito autoral eram, naquele tempo, objeto de falhas no devido reconhecimento, por diversos meios e motivos.

Destacamos também a luta da sociedade nos dias de hoje contra o racismo no Brasil e nos EUA. Não devemos permitir a invisibilidade de um artista em qualquer tempo, época ou fase. A contribuição de artistas negros, sobretudo e especialmente um artista negro do hemisfério sul como Lupicínio Rodrigues.

Pedimos, portanto, o reconhecimento, por parte da Academia, do compositor Lupicínio Rodrigues como parte da trilha musical indicada ao Oscar no filme Lady Let ‘s Dance. Isso fará jus a Lupicínio como artista brasileiro a ser indicado a mais alta premiação do cinema americano.

A internacionalização de sua obra é um direito que merece respeito, honra e civilidade. É sempre oportuno corrigir erros cometidos em épocas passadas, como legado para o futuro.

Orgulhamo-nos de nossa família ser afrodescendente de uma época muito difícil para a história humana que foi a escravidão. Somos orgulhosos de nossa contribuição cultural, artística para o Brasil e para o mundo.

Esclarecemos que não queremos qualquer retorno financeiro, mas apenas o reconhecimento moral e simbólico, inequívoco e perpétuo.

Diante dos fatos inequívocos e provas solidárias, o exposto acima conduz sem dúvida alguma ao mérito e ao justo reconhecimento do autor a qualquer tempo.

Temos a certeza de que a comunidade cinematográfica e a Academia compreenderão a justeza deste pedido e terão a sensibilidade para conceder este justo reconhecimento a este grande compositor, mestre de nossa música, Lupicínio Rodrigues e nosso querido ancestral.

Cordialmente,

Lupicínio Rodrigues Filho e família Rodrigues.

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