Com sonhos e suor se fazem os bambas do esporte

Atletas de Elite, de Francisca de Lima, traz entrevistas com 22 craques brasileiros

Quem não sabe que a paixão pelo futebol quando cola nos amantes de esportes, sejam eles homens ou mulheres, vira um caso sério para a vida toda? Está aí a Francisca de Lima dando o testemunho da magia dessa química em Atletas de Elite – Os Segredos e A Força Mental do Atleta Brasileiro (Insígnia Editorial, SP, 2021).

Lançado em Portugal, durante a conferência Global Football Management, no Estádio da Luz de Benfica-Lisboa, em outubro passado, o livro foi também lançado em dezembro, no Rio, nos clubes do Flamengo, Fluminense e Botafogo e na sede da OAB, além de no Minas Tênis Clube e Minas Boca, em Belo Horizonte. Atletas de Elite traz entrevistas com 22 craques brasileiros – e não só do gramado, também do futsal, do vôlei e do hipismo – e, com a maioria deles, a autora mostra ter outro forte ponto em comum: o sonho e a obstinação de superar pobreza, enormes dificuldades, desafios e de se tornar referência na carreira.

Francisca Dida de Lima vive na Alemanha há 32 anos, mas, isso, depois de ter amargado duros pedaços de pão e chão amassados pelo diabo, no Brasil e quando chegou em Hamburgo. Lá, anos depois, espartana que é por natureza, formou-se mestre em Psicologia Clínica e Organizacional e especializou-se, em Zurique, Barcelona e Lisboa, em Coaching Mental, para atuar na área de Esportes de Alta Performance. Tanto estas modalidades quanto a atividade são ainda restritos ao “clube do Bolinha”, fato que, no conjunto da obra, acaba por torná-la mais uma interessante personagem entre os seus “atletas de elite”.

 O amor e o destino ligados ao futebol

Na apresentação do livro, ela conta de quão honrada se sentiu com o convite de uma agência suíça de futebol, para ajudar atletas de elite a manterem o equilíbrio mental, durante e após o fim de suas carreiras, e de trabalhar com jogadores da primeira Liga da Alemanha. Narra a difícil infância que viveu em Irecê, interior da Bahia, depois que o pai sumiu, deixando a mãe e os seis filhos ao Deus-dará. Aos seis anos, já a ajudava a criar os irmãos menores, que terminaram distribuídos em casas de família, em Brasília, onde supunham estivesse o pai, nunca encontrado.

Francisca viveu na mesma casa em que a mãe trabalhou de empregada doméstica, mesmo depois de sua decisão de ir sozinha para o Rio, na esperança de encontrar o marido. Ainda uma criancinha e sentindo fundo esta nova perda, ela, no entanto, foi bem tratada e bem educada na casa dos patrões de sua mãe biológica e, contrariando a mãe de criação, cresceu amando e jogando futebol com colegas de estudos. Tanto que ganhou deles o apelido de Dida, pelo jeito parecido de jogar, diziam, com o do grande artilheiro do Flamengo, ídolo de Zico e campeão mundial em 1958 na Suécia, que morreu em 2002, justo no dia do aniversário dela. “No Brasil, sou conhecida por muitos como Dida e é com muita honra que carrego esse apelido”, enfatiza.

O tempo passou e, aos 15 anos, ele quis ir se juntar à mãe biológica, vivendo num município do Rio, em lugar de grande pobreza. Magoada, a mãe de criação rompeu para sempre com ela. Francisca Dida passou a dormir sobre uma caixa de papelão no chão, no cubículo onde moravam, e a ser operária de fábrica de dia e estudar de noite. Essa luta seguiu até a chance que surgiu de ir trabalhar de babá de duas crianças, com uma família carioca que morava na Alemanha. Sonhando com uma vida digna e em tirar a mãe da miséria, além de ajudar os irmãos a poderem estudar, lá se foi ela para Hamburgo. E não voltou, quando a família carioca retornou ao Brasil.

Histórias de vida e de superação

Dida foi trabalhar na casa de uma família alemã, quando aprendeu o idioma e retomou os estudos, chegando a se formar como psicóloga na Universidade de Hamburgo e a trabalhar com dois atletas de elite. “Foi quando voltei a sonhar com as peladinhas que tanto joguei na infância: o futebol voltava à minha vida”, conta no livro.  Foi da trama do resumo de sua história com a dos 22 entrevistados, que surgiu durante a pandemia o projeto de seu livro de estreia.

Ao conhecer o empresário de futebol e professor em gestão esportiva Felipe Ximenes, criador da comunidade Grupos FX, que reúne desportistas de 16 países e de todas as modalidades em torno de cursos on-line, ela se integrou aos debates e se aproximou desses astros, que têm seus passes comprados por times estrangeiros e que lá vivem, ou já viveram. Bolou o livro e fez as entrevistas por telefone, email e com alguns, cara a cara, extraindo de suas histórias pessoais, desde a infância, os sofrimentos vividos, suas humilhações, as lesões, os fracassos e as vitórias, a força física e a mental que empregam na árdua batalha para obterem o êxito máximo na carreira.

Estão ali depoimentos ricos em termos profissionais e humanos e com passagens divertidas, como os do zagueiro da seleção brasileira de 2014, Dante Bonfim (que joga hoje pelo OGC Nice) e do gigante do futsal (ou futebol de salão), Lavoisier Freire, tetracampeão da Copa América. Há confissões surpreendentes, psicanalíticas, doloridas e fortes, como a do jóquei Eurico Rosa, vencedor em mais de 1.500 competições internacionais e radicado no Canadá.

Há as histórias saborosas de El Mago (William Arjona) e de Dentinho (Marcelo Freitas), ambos, campeões do voleibol, e as de Leo Higuita, outro megacampeão do futsal, radicado na Rússia. Estão também no livro os sábios depoimentos de Marco Bruno (ex-futebol e ex-futsal) e de Barata (José Alexandre Fiuza, ex-futsal), que hoje atuam em gestão esportiva. Além dos relatos dos demais depoentes, cada qual com suas revelações e lições de determinação e tenacidade.

O grito de socorro dos atletas

Mas Francisca de Lima não se conformou em conversar somente com atletas. Colheu também informações complementares de cinco especialistas em formação de desportistas de alta performance, que atuam com abordagens modernas em: gestão, ortopedia, fisioterapia, nutrição e meditação, além de psicologia, a área dela própria. No prefácio de Atletas de Elite, o ex-presidente da OAB/AL e integrante das Turmas FX, Omar Coêlho de Mello, projeta que a experiência da autora, com sua expertise, pode levar à quebra de arquétipos que precisam ser superados no campo esportivo.

Em seu relato como psicóloga, ela chama a atenção para o grito de socorro dos atletas, iniciantes e os de alto rendimento também, que têm que lidar com as frustrações, as angústias, o medo, a depressão, sem demonstrarem fraquezas, com a pressão que sofrem dos clubes. Antes, os mesmos clubes eram como a família dos atletas; lá ficavam por vários anos e se tornavam heróis. Hoje, o corpo é comparado a uma máquina que tem de funcionar sem falhas. E essas exigências geram inclusive desvios de comportamento, ela assinala. Em resumo, Francisca Dida de Lima se empenha pela política da gestão humanizada no meio esportivo.

Atletas de Elite saiu também em e-book, facilitando o acesso aos clubes estrangeiros dos entrevistados e a outros grandes que já manifestaram interesse em seu conteúdo, como o Manchester City e o Manchester United, ela conta, e se compromete a ouvir as meninas da próxima vez. “Gostaria de ter entrevistado algumas das grandes atletas brasileiras que estão aqui pela Europa e pelo mundo, mas este é um assunto para o próximo livro”, acena.

Francisca de Lima foi uma das dez profissionais de saúde nomeadas em 2021 ao prêmio “Melhor do Brasil no Mundo”, entregue por Luiza Brunet, no salão de festas da residência do príncipe William, o Palácio de Kensington, em Londres, em 30 de outubro passado. Promovida pela revista inglesa High Profile, editada pelo empresário Rafael dos Santos, a premiação reconhece a atuação de brasileiros que se destacam no exterior. “Não fui, não me interesso por essas coisas”, esnoba a Dida, que foi indicada pela mesma revista a outro prêmio, o Melhores do Brasil na Europa, a ser entregue desta vez em junho, em Paris.

Atletas de Elite – Os Segredos e a Força Mental do Atleta Brasileiro – De Francisca de Lima. Insígnia Editorial, 340 págs. Entrevistas: Dante Bonfim C. Santos, Silvio Costa, Atílio Dias, Thiago Gentil, Gustavo Parededa, Dentinho, Gera (Oswaldo F. Junior), Ataliba (Carlos Eduardo Soares), Fillipe Soutto, Eurico Rosa, Marco Bruno, Regis Amarante, Carlão (Carlos A. de Oliveira), Leo Higuita, Sueliton P. de Aguiar, Wallace Martins, Yuri Naves, Diego Fávelo, Barata, Vinícius Elias Teixeira, William Arjona e Lavoisier Martins. Textos complementares: Felipe Ximenes (Gestão Esportiva), Juliana B. Carvalhaes (Meditação), Helder Nani (Quiropraxia), Fernando Pardo (Nutrição), Michael Simoni (Ortopedia) e Francisca de Lima (Psicologia e Coaching Mental).

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