Yara Darin, natural da cidade de Marília (SP), é autora de poemas que registram impressões de viagens, observações da natureza, experiências interpessoais e ainda cenas e eventos da história recente do País, marcada a cutelo pela exclusão social e violência política. Sua poesia revela uma arquitetura concisa, quase cabralina, em que se destacam metáforas expressivas, que conseguem traduzir a dor de quem é contemporâneo de uma época trágica.
Por Claudio Daniel*
Publicado 26/10/2019 09:30 | Editado 13/12/2019 03:29
Apresentamos aqui alguns poemas da autora, selecionados especialmente para o Prosa, Poesia e Arte do Portal Vermelho.
lâmina de foice
fios de faca afiados
chibata de sete nós
democracia do medo
olhar latifundiário
fortuito sabiá-do-campo
terra vermelha sovada
lavradores sem teto
útero fecundo à semente
estrelas da eternidade
aos olhos do camponês
tudo parece alegoria
pés carcomidos
cicatrizes que sangram
morrer é nada
o nada persiste.
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ABRIL
Rasgo oceanos
meu corpo desperto
ao nascer do dia
contempla as feridas
na pele esquálida
quase sem vida
onde correntes separam
teu rosto e o meu
são turbulências 'a vista
pelas marés de abril
fragmento de nossa história
tão pouco tão profundo
abandono do que faz falta
da medula aos poros
somos viajantes eternos
meu corpo no teu corpo
adormecido, fenecendo
no azul da tua boca
*****
silêncio onde brota a semente
um sonho transpõe o gozo
contorno irregular da face
palidez refletida no espelho
navego em hora sem tempo
cabelos revoltos, batom nude
desvendo curvas no ventre
traço linhas cruzadas no ar
selva epilética, corpo quente
algo derrete em mim
o quadro na parede
abisma-me,
o que faz uma mulher
dentro de uma pintura?
*****
ALEPPO
Cicatrizes no ventre
feridas de guerra
corpo de mulher em brasa
marcado a ferro
como gado no abate
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CAMALEÃO
Como expor-me a ti
com tantos defeitos
tantas inquietudes
tantos desajustes.
Do nascente ao poente
me isolo, me afasto
tomo outra cor
— sou camaleão.
*****
O outono
desenhado na paisagem
amante de folhas secas.
*****
Sangue na sarjeta
fel entre dentes
vento eriça cabelos
brilho de baioneta
nas mãos do inimigo,
em tempo sem tempo,
morre ali na valeta.
* Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.