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Círio de Nazaré em… São Paulo? Quando bate a saudade é possível

A emoção toma conta do povo do Pará no segundo domingo de outubro, dia de homenagens à santa padroeira do Estado, Nossa Senhora de Nazaré. O aperto no peito aumenta para o paraense que vive em outro estado e não pode ir à Belém nesta data. Mas se Maomé, ou no caso Nazaré, não vai à montanha…o paraense traz o Círio de Nazaré para onde ele estiver. Em São Paulo, os paraoaras se reúnem em almoços típicos e organizam mini-Círios em forte demonstração de identidade cultural.

Por Railídia Carvalho  

Círio de Nazaré em São Paulo Sumaré - Divulgação
Neste domingo (9) de outubro as ruas da capital do Pará, Belém, estarão “inundadas de gente”. Em 2015, quando se realizou a 223ª edição do Círio de Nazaré, a maior procissão católica do Brasil, calculou-se cerca de 2 milhões de pessoas.

São fiéis de todo o país que vem cumprir promessas à Nossa Senhora de Nazaré e se deparam, além da tradição religiosa, com expressões culturais que definem o paraense.

Círio significa uma vela grande de cera e no Pará é sinônimo de procissão. A tradição portuguesa em honra a Nossa Senhora de Nazaré começou no Estado quando o caboclo Plácido encontrou a imagem da santinha às margens do igarapé Murutucú. Plácido levou a imagem para a casa dele mas no dia seguinte ela desapareceu e foi reencontrada no igarapé, nome que se dá a um pequeno rio na Amazônia. O fato se repetiu várias vezes então Plácido construiu uma capela no local, onde hoje está a Basílica Santuário, onde se realiza a missa do Círio.
 

O surgimento da festa é uma das histórias do Círio, rico em tradições culturais. E é esse repertório diversificado que ajuda aos que não estão em Belém a superar a distância nesse período. Na cidade de São Paulo, o paraense começa a ter facilidade para comprar os ingredientes para preparar pratos típicos do Pará e amenizar a ausência na festa, que é considerada a maior referência multicultural do povo paraense.
Dedicação à festa

Daniela Sá é artista multimídia e vive há oito anos em São Paulo. Ano passado esteve no Círio – com o marido Bernd (foto) e a filha Emília – e este ano vai “ver a santa passar (na procissão) pela televisão”. O tucupi (foto), o jambu e a maniçoba foram encomendados para o almoço de domingo, tradição do Círio de Nazaré.
“Apesar de eu amar a festa, o evento, e de ser até certo ponto religiosa, ter a minha fé, eu não fico sofrendo por não passar o Círio em Belém”, afirmou no início da entrevista. Daniela contou que em Belém tirava férias do trabalho para vivenciar intensamente a festa “cozinhando, indo aos shows, festas e homenagens”.
Em paralelo aos ritos católicos das novenas, missas, procissões, acontecem também em Belém iniciativas musicais, de teatro de rua, LGBT, voltadas para homenagear Nossa Senhora de Nazaré, neste último caso a festa da Chiquita, que completa 38 anos em 2016, é a mais popular. 
À flor da pele

Daniela, Bernd e Emília no Círio de 2015A emoção de Daniela (foto) aparece alguns segundos quando ela fala da música Nossa Senhora (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), que exalta Maria, mãe de Jesus. “A música que me lembra (o Círio) é a Fafá (de Belém) cantando a música do Roberto, Nossa Senhora. É cafona, é sentimental demais, é essa que me lembra, que me faz chorar e aí me dá o desespero do Círio mas é só parar de tocar já vou pra naza, nazarezinha”, afirmou citando também a música Zouk da Naza, do compositor paraense Almirzinho Gabriel.
A advogada paraense Márcia Gemaque descreveu o sentimento de estar fora do Pará no Círio, o que aconteceu muitas vezes com ela. “É uma incômoda sensação de que não sou e nunca serei daqui e não sou de lá por estar aqui. Não estar lá traz solidão, tristeza, reflexão”, confessou.
O “sentimento de que deveria estar lá” de Márcia não passa mesmo ela se integrando em manifestações como o Círio que é realizado há 48 anos na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima no bairro do Sumaré, zona Oeste da capital paulista. 

Círio paulistano

A Associação de Devotos de Nossa Senhora de Nazaré em São Paulo é a responsável pela iniciativa que volta neste ano às ruas do Sumaré após cinco anos acontecendo no Ipiranga, zona Sul da cidade.
O paraense Daniel Silva Santos é pintor e vive há três anos em São Paulo no bairro de São Mateus, na zona leste. Evangélico, ele ressaltou que respeita todas as religiões. “Não discrimino nenhuma crença. Já fui no Círio, paguei promessa. Quando chega esse mês meu coração tá apertado. Tu é doido. Aqui é paraense. É Papão”, disse Daniel, que é torcedor apaixonado do Paysandu Sport Clube.
Ele e a esposa Cristina, que também é do Pará, estão planejando ir ao Círio no próximo ano mas neste domingo (9) vão participar das comemorações na igreja de Fátima. O Círio começará a partir das 10h30 na rua Petrópolis, 65 (ao lado do metrô Sumaré) com a procissão conduzindo a imagem da santinha, e irá até a igreja de Nossa Senhora de Fátima (na rua Dr Arnaldo, 1831), onde acontece a missa. As barracas com comidas típicas começam a funcionar após as 13h na rua Petrópolis.
Coração em Belém

Paula Machado é paraense e mora há 51 anos em São Paulo. Ela é da Associação e organiza a festa do Círio há muitos anos. “É para manter a tradição, a nossa cultura. Esse é o nosso objetivo: ver o povo do Pará se divertindo e aproveitando”, explicou. Além das barracas de comida, foi preparada uma seleção musical com músicas de grupos e artistas do Pará como trilha sonora da festa.

Organizar o Círio em São Paulo significa abrir mão de passar o Círio em Belém. Maria de Lurdes, que faz parte da associação há oito anos e apoia a organização do Círio, diz que sempre dá “uma nostalgia” não estar em Belém. Ela vive há 15 anos em São Paulo. “Tem o envolvimento com a associação que faz o Círio. É muito trabalho e pouca gente. Dá pena de deixar os colegas”, declarou.
O Círio do Sumaré é planejado durante todo o ano e reúne no domingo da festa cerca de 2 mil pessoas, segundo Maria de Lurdes. A cabeça está na organização mas o coração está no Pará. “Hoje mesmo fiquei sabendo de uma prima que vai pagar uma promessa. Ela vem de Castanhal até Belém caminhando com uma equipe de peregrinos”, contou Lurdes. O município de Castanhal fica há 65 km de Belém.

Amenizar a saudade
 

Paula e Maria definem o evento na igreja de Fátima como uma miniatura do Círio. Segundo Paula, realizar a manifestação no mesmo dia da que acontece em Belém é aproximar o paraense da sua casa. Maria de Lurdes completou “a gente se esforça para colocar quase tudo que tem em Belém: a berlinda, as músicas, a comida. Dá para matar a saudade”. A berlinda é o invólucro que conduz a imagem de Nossa Senhora durante a procissão e está sempre enfeitada com flores.
O esforço em reproduzir o Círio em São Paulo, que também acontece na Vila Carioca e no Jardim Arpoador, na Raposo Tavares, mata a saudade do Pará e é uma forma de amenizar o desconhecimento do Brasil sobre a festividade, considerada em 2013 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrimônio imaterial da humidade.
Márcia e os filhos, torcedores do Paysandu“Quem conhece algum paraense pode até saber por alto, mas sinto que ninguém que nunca tenha ido à Belém pode dimensionar”, avaliou Márcia. Os compositores paraenses Vital Lima e Marco Aurélio definiram que o Círio “é algo pra não se esquecer. Pra colar no teu caminho”.

Manifestações em homenagem ao Círio de Nazaré tem se consolidado por todo o Brasil possibilitando uma integração cultural que é marcada nesta pequena homenagem do Portal Vermelho, que saúda o povo paraense. E como se diz no Pará, Feliz Círio!

SERVIÇO

48ª Festa do Círio de Nazaré em São Paulo na Igreja Nossa Senhora do Rosário de Fátima

Data: 09 de outubro

Horário: 13h às 18h

Endereço: Rua Petrópolis, nº 65 (em frente ao metro Sumaré)

Entrada gratuita

Três canções inspiradas no sentimento que a festa do Círio desperta nas pessoas