Celso Marconi: Folha do Povo, o jornal comunista de Pernambuco

A polícia era uma presença constante. De repente, a gente estava na redação e aparecia um meganha querendo prender todo mundo

A Folha do Povo do Recife foi o primeiro jornal onde eu escrevi. Inclusive posso dizer, trabalhei. Isso porque passei lá um mês ou dois editando a primeira página. Mas não demorei muito nessa função, pois o que me interessava mesmo em jornal sempre foi a parte cultural – a parte de divulgação da atividade cultural.

E na Folha do Povo – o jornal do PCB – eu escrevi pela primeira vez como cronista de cinema. E também mantive por algum tempo uma coluna que falava sobre discos. Eu me lembro de uma oportunidade em que recebi uns discos para divulgar e o divulgador era um filho do sociólogo Câmara Cascudo. Um jornalista totalmente de direita, mas uma figura simpática, que todos chamavam de Cascudinho. Isso mostra que não havia uma censura prévia para o que eu escrevia na Folha do Povo. Nem prévia nem posterior. Era uma coluna tão livre quanto pode ser uma coluna em qualquer jornal.

A redação da Folha do Povo funcionava numa ou duas salas no 4º andar do edifício Vieira da Cunha, no centro do Recife. Esse prédio fica logo depois da praça Maciel Pinheiro, onde existia o cinema Moderno. E fica próximo do edifício que era a Casa de Detenção, que passou a ser Casa da Cultura. Foi por isso que Jomard Muniz de Britto, quando fez o seu filme O Palhaço Degolado, tendo os cenários do presídio, disse que lá era a Casa de Detenção da Cultura. Mas no edifício Vieira da Cunha também estava o escritório de uma construtora do meu pai, Severino Nunes Lins, que ficava no 3° andar. E no 5° andar eu morava.

Francisco Souto, que foi o secretário de Segurança no governo de Arraes, era casado com Brites Gondra, que foi minha colega no Curso de Filosofia e ficamos amigos. Depois que me casei com Maria do Carmo Veloso Lins, fui morar num apartamento no 5º andar do Vieira da Cunha.

Isso me aproximou muito da Folha do Povo e dos jornalistas que lá trabalhavam, como Abdiel Luna, Rildo Mouta, Guilherbaldo Macieira, Cláudio Tavares, e outros que não estou me lembrando os nomes agora. Havia também o pessoal da direção do Partido, cujo chefe principal no jornal era David Capistrano – e tinha mais Iran Pereira, Clóvis Melo (que era filho do jornalista Mário Melo, muito famoso), Paulo Cavalcanti e outros.

A polícia era uma presença constante. De repente, a gente estava na redação e aparecia um meganha querendo prender todo mundo. Um dia, fui chegando no 4º andar e vinha um rapaz da redação. Quando me aproximei, ele fez um sinal com o dedo para não me chegar e então vi que junto dele estava um policial o levando. Era essa a situação da redação.

Tinha também a oficina do jornal, que ficava numa casa da praça Sérgio Loreto, no final da Rua da Concórdia. Lá era onde a polícia sempre tentava penetrar. Há uma estória que me foi contada por João Silveira, jornalista que depois trabalhou no Jornal do Commercio e foi para São Paulo, onde trabalhou e morreu. Ele estava na oficina da Folha do Povo e chegou a polícia. Então ele tentou fugir pelo telhado da casa. E lá em cima passou para a casa vizinha, mas as telhas se quebraram, e ele caiu dentro dessa casa. Quando as pessoas da casa apareceram, ele gritou:

– Calma! Eu não sou ladrão, sou comunista!

A Folha do Povo foi realmente minha escola de jornalismo nos anos 1950. Um jornalismo que tinha como interesse ajudar na conscientização do povo. Não se fazia jornalismo para apoiar a burguesia. E por isso mesmo não tinha apoio das grandes empresas. E o pessoal que lá trabalhava era um grupo coeso. Amigos.

Na minha vida profissional, trabalhei depois no Jornal Pequeno, fazendo matérias como freelance, sob a direção de Múcio Borges da Fonseca. Depois fui repórter e chefe do Arquivo de Redação do Diário de Pernambuco. Depois, fui copidesque e colunista de cinema na Última Hora Nordeste, sob a direção também de Múcio Borges da Fonseca. Com o golpe de 64, passei dois anos sem trabalhar em jornal. Em 1966, entrei no Jornal do Commercio e fiquei lá até 1989. Ainda trabalhei como editor do “Suplemento Cultural” do Diário Oficial de Pernambuco, onde fiquei de 1991 até 1994.

(Olinda, 13. 3. 2021)

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