Caetano Veloso e Eduardo Coutinho, por Celso Marconi

Leia as críticas de Celso Marconi para os filmes “Narciso em Férias” e “Banquete Coutinho”

O FILME QUE EU QUERO – NARCISO EM FÉRIAS

Este filme que pode ser dito de Caetano Veloso, “Narciso em férias” é o cinema que eu quero, como disse no manifesto O Cinema do Futuro, que está inclusive na minha biografia. “Narciso em férias” é um filme com Caetano sentado numa poltrona e narrando durante 1h20m o que foi a sua prisão de dois meses em 68 pelos militares golpistas. É um filme genial, maravilhoso, mas isso não quer dizer que não tenha erros, pois do ponto de vista de realização cinematográfica poderia ser muito aperfeiçoado.

Eu digo que o filme não é dos diretores nem da equipe técnica, mas é um filme do compositor cantor Caetano Veloso, porque se não fosse a genialidade desse baiano o filme não existiria. Nenhum cineasta teria condições de criar esse filme se não existisse o autor capaz de narrar tudo com a naturalidade, como acontece. Inclusive, poderia não ter havido perguntas, as existentes são desnecessárias. Era só filmar do ponto de vista técnico. E montar de forma direta. Talvez a produtora Paula Lavigne tenha tido mais presença de criação do que os diretores.

O que valeu foi a memória de Caetano e a força que ele tem para dizer tudo aquilo. E observar os detalhes como, por exemplo, com o militar que era conhecedor de Marcuse e contar criando toda uma dramaticidade. Poucos atores teriam capacidade para manter essa estória com tanta densidade. E o fato social de o filme conseguir abrir o Festival de Cinema de Veneza, para uma exibição fora de competição, é produto da magia que Caetano pessoalmente tem. Enfim, é claro que é fundamental a existência de uma equipe técnica. Entretanto, mais fundamental é o personagem. Claro que depois desse “Narciso em férias” ninguém conseguirá falar mais sobre o que foi o golpe de 64 sem referência a ele. E não é preciso concordar com Caetano, inclusive porque ele nega o socialismo no filme e numa entrevista recente afirma o valor do socialismo. Caetano Veloso é um ser sem dúvida contraditório, mas genial. Quero mais filmes geniais como este.

(Olinda, 8. 9. 2020)

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“BANQUETE COUTINHO” – FESTIVAL DE OURO PRETO

Somente hoje prestei atenção ao XV Festival de Ouro Preto, que está acontecendo online, gratuito, e termina hoje infelizmente. Eu tinha lido notícia sobre a Mostra OP, mas só com um toque de Helder Lopes para o filme “Banquete Coutinho”, que, segundo ele,  “eu não podia deixar de ver”,  entrei no site e vi a obra do jovem Josafá Veloso.

A partir de uma entrevista gravada com Eduardo Coutinho, e trabalhos vários do genial diretor, Josafá montou um muito bom documento sobre esse grande realizador brasileiro. A entrevista de Coutinho é bem no estilo dele próprio, solta e buscando descobrir o que o entrevistado nem sempre quer mostrar. Essa entrevista foi feita em 2012 e o filme foi montado em 2019.

Josafá Veloso utiliza o que algumas pessoas, que faziam restrições a Coutinho diziam dele, que ele sempre fez o mesmo filme. E Josafá então coloca que ele fazia o mesmo filme, mas que esse filme sempre era outro. E se saiu muito bem, pois fica clara a tese indireta sobre o cinema de Eduardo Coutinho, que era um sujeito muito pessoal no que fazia e principalmente depois que passou a só fazer documentário fixou-se no personagem que ele próprio era. Assim, o filme que tem esse título maravilhoso “Banquete Coutinho” ficará como uma grande mostra do cinema de um cineasta único. Quanto aos trechos dos filmes de Eduardo Coutinho que foram escolhidos me parecem justíssimos, mas só não entendi o trecho do melodrama francês que praticamente estragou o excelente trabalho até então feito pela montagem. Apenas pela exibição desse filme, se não me engano de um grupo mineiro, o XV Festival de Ouro Preto mereceria a maior atenção.

(Olinda, 7. 9. 2020)

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