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Brasigóis Felício: Delírios do Homo Demens

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Há pessoas que, sendo próteses de si próprias, por hipótese, vivem uma vida hipotética, tão paradas ou estressadas que morrem de inanição ou por desgaste das energias necessárias ao Ser. Ou entram em síndrome de pânico, em uma espécie de cisão entre o que o seu corpo está sentindo e o que percebem de si mesmas. Funcionam no modo normótico de não ter controle de si. E assim se perdem, em um sofrimento inútil, sustentado por elas próprias. Vivem em crise de ansiedade, por não se bastarem com o momento, não aceitando o presente assim como ele chegou, em acordo e harmonia com quem são.


 


 


Pensar que um existir tão desastrado vem sendo o modelo seguido por quem se crê ou se quer bem sucedido, em um sistema que leva seus “vencedores” a quedarem-se, vencidos, incendiados por seu vazio. Outros pensam ser bonito “viver perigosamente”, indo ao encontro daquilo que mais temem. Provisoriamente, tomaram o medo como senhor e guia, adotando a casa do desterro para seu abrigo de exilados do Ser.


 


 


A armadura que nos protege é a mesma que nos isola do mundo. O medo sustenta as guerras, alimenta a percepção do perigo – e o ódio torna mais feroz o inimigo criado por nossa aniimosidade. Pessoas que não sabem servir tornam-se inservíveis a si próprias. Criaturas que não se aprestam a ajudar quem precisa tornam-se imprestáveis em relação aos outros, e a si mesmas. E assim, com nosso mau ânimo, matamos a alma do mundo, moldando com nossos desastres, na medida de nossa estreiteza de existir. Assim perdemos o sabor da calma e o som da sabedoria que nos faria caminhar livres do absurdo.


 


 


Quem segue o caminho do natural e do sábio é visto com hostilidade e estranheza, como nos relata Leonardo Boff: “O atual Presidente da Assembléia Geral da ONU, Miguel d’Escoto Brockmann, ex-chanceler da Nicarágua sandinista, está conferindo rosto novo à entidade. Tem criado grupos de estudo sobre os mais variados temas que interessam especialmente à humanidade sofredora como a questão da água doce, a relação entre energias alternativas e a seguridade alimentar, a questão mundial dos indígenas e outros. O grupo talvez mais significativo, envolvendo grandes nomes da economia, como o prêmio Nobel Joseph Stiglitz é aquele que busca saídas coletivas para a crise econômico-financeira.


 


 


Todos estão conscientes de que os G-20, por mais importantes que sejam, não conseguem representar os demais 172 países onde vivem as principais vítimas das turbulências atuais. D’Escoto pretende nos dias 1, 2 e 3 de junho do corrente ano reunir na Assembléia da ONU todos os chefes de estado dos 192 países membros para juntos buscarem caminhos sustentáveis que atendam à toda a humanidade e não apenas aos poderosos.


 


 


O mais importante, entretanto,  reside na atmosfera que criou de  diálogo aberto, de sentido de cooperação e de renúncia a toda a violência na solução dos problemas mundiais. Sua sala de trabalho está coberta com os ícones que inspiram sua vida e sua prática: Jesus Cristo, Tolstoi, Gandhi, Sandino, Chico Mendes entre outros. Todos o chamam de Padre, pois continua padre católico, com profunda inspiração evangélica. Ele é homem de grande bondade que lhe vem de dentro e  que a todos contagia.


 


 


“Meu Deus, em que nível do inferno de Dante nos encontramos? Como pode uma sociedade construir-se sem solidariedade,  cooperação e  amor, privada do sentimento profundo expresso na Carta dos Direitos Humanos da ONU de que somos todos iguais e por isso irmãos e irmãs?


 


 


Para um tipo de sociedade que optou transformar tudo em mercadoria: a Terra, a natureza, a água e a própria vida e que coloca como ideal supremo ganhar dinheiro e consumir, acima de qualquer outro valor, acima dos direitos humanos, da democracia e do respeito ao ambiente, as atitudes do Presidente da Assembléia da ONU parecem realmente estranhíssimas. Elas estão ausentes no dicionário capitalista.


 


Devemos nos perguntar pela qualidade humana e ética  deste tipo de sociedade. Ela representa simplesmente um insulto a tudo o que a humanidade pregou e tentou viver ao longo de todos os séculos. Não sem razão está em crise que mais que econômica e financeira é crise de humanidade. Ela representa o pior que está em nós, nosso lado demens.  Até financeiramente ela se mostrou insustentável, exatamente no ponto que para ela é central.


 


 


Esse tipo de civilização não merece ter futuro nenhum. Oxalá Gaia se apiede de nós e não exerça sua compreensível vingança. Mas se por causa de dez justos, consoante a Bíblia, Deus poupou Sodoma e Gomorra, esperamos também ser salvos pelos muitos  justos que ainda florescem sobre a face da Terra”. Assim escreveu Leonardo Boff, sobre a insanidade anti-vida em que vive a violentar sua mãe Gaia o Homo Demens, uma das vítimas de seu delírio dantesco: o de se crer rei da natureza – engano egóico que o leva a ser seu  carrasco. “Essa sociedade merece sobreviver?”