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Augusto dos Anjos: Barcarola

*

Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e, pelo mar,
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas.


(…)


Vai uma onda, vem outra onda
E nesse eterno vaivém
Coitadas! Não acham quem,
Quem as esconda, as esconda…


(…)


A Lua – o globo de louça –
Surgiu em lúcido véu.
Cantam! Os astros do Céu
Ouçam, e a Lua Cheia ouça!


Ouça do alto da Lua Cheia
Que a sereia vai falar…
Haja silêncio no mar
Para se ouvir a sereia.


Que é que ela diz? Será uma
História de amor feliz?!


Não! O que a sereia diz
Não é história nenhuma.


É como um réquiem profundo
De tristíssimos bemóis…
Sua voz é igual à voz
Das dores todas do mundo!


“Fecha-te nesse medonho
“Reduto de Maldição,
“Viajeiro da Extrema-Unção,
“Sonhador do último sonho!


(…)


– E disse e porque isto disse
O luar no Céu se apagou…
Súbito o barco tombou
Sem que o poeta o pressentisse!


Vista de luto o Universo
E Deus se enlute no Céu!
Mais um poeta que morreu,
Mais um coveiro do Verso!


Cantam nautas, choram flautas
Pelo mar e, pelo mar,
Uma sereia a cantar
Vela o Destino dos nautas!


 


Augusto dos Anjos
Eu, 1912