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Adalberto Monteiro: Venceremos?

*

Um cão ladra imerso na imensa noite.
O seu bafo quente
Choca-se com o hálito frio
Da gigante cidade.
Estranho dragão
Em vez de fogo expele vapor.
E os caninos amarelos
Sob os holofotes alvos da lua.


 


 


Contra quem ladra?
Um mendigo que se contorce
Na calçada,
Um gato atrás de um rato,
Um polícia atrás de uma menina ladra?


 


 


O fato é que o cão ladra.
Desde que pôs a seu serviço esta fera
Esse faro, esses caninos,
O homem tornou a vida
Menos difícil neste planeta.


 


 


Enquanto estiverem acuados
Em suas cavernas,
Os humanos serão dependentes
Dos cães.
Ontem, precisavam deles
Porque temiam os lobos.
Hoje temem a si.
E às vezes os cães,
Só a troco de carne e iguarias,
Dispõem-se a lhes fazer companhia.


 


 


Quanto a mim, não tenho cão algum.
(Mas, confesso que usufruo deste
Que pertence ao vizinho.)


 


 


Como faz bem esse latido
Nesta antártica noite na qual todos os
Meus semelhantes dormem.


 


 


Agarro-me ao grito desse animal.
O seu bafo quente aquece minha face gélida.
Amarro ao meu punho a corrente
Que vem de sua coleira.
E assim intento atravessar o inverno
No qual estou imerso.


 


 


Desde o sempre um homem e um cão,
Sem pertences,
A enfrentar a selva e suas serpentes?
Venceremos?


 


 


As delícias do amargo & uma homenagem: poemas
Adalberto Monteiro
Editora Anita Garibaldi – edição 2005