Economia frágil sofrerá mais um ataque interno, por João Sicsú

"A causa do grande problema econômico brasileiro é o desemprego. Os problemas orçamentários do governo são apenas os sintomas. Nenhuma vez a palavra desemprego aparece nos pacotes lançados pelo governo nem na justificativa dessas medidas".

Desemprego

Desde meados de 2014, a economia brasileira entrou em forte desaceleração. Em 2015, recebeu choques internos que transformaram a desaceleração em recessão. Foram cortes de gastos públicos, elevação dos preços dos combustíveis, aumento das tarifas de energia elétrica, crescimento das taxas de juros e desmonte (através de instrumentos econômico-judiciais) dos setores de petróleo e gás e da construção civil. Assim, desde então, a economia brasileira se fragilizou e mergulhou numa depressão.

Nos últimos cinco anos, a economia e seus investimentos crescem ou decrescem com taxas pífias. Não há sinais de recuperação, apenas de sobrevivência. Uma boa metáfora é que a economia suspira no fundo do poço chamado depressão. Historicamente, a caracterização de uma economia em estado depressão nos ensina que o setor privado não é capaz de religar o motor de partida da economia sob tais condições.

A década de 1930 nos Estados Unidos é uma boa referência histórica para entendermos a economia brasileira nos dias de hoje. Em 1929, a economia entrou em crise com forte recessão e alto desemprego. “O ponto culminante desses desastres econômicos foi alcançado após um período em que se acreditava que os conselhos financeiros ortodoxos e os altos círculos financeiros dos Estados Unidos exerciam grande influência sobre o presidente Hebert Hoover e seus assessores”, disse àquela época o economista John Maynard Keynes.

“A própria depressão é a causa dos déficits do governo … [há] queda na receita de tributação. A dívida pública é inevitável em um momento em que o gasto privado é inadequado: é melhor incorrer em dívida pública para elevar o emprego e promover a atividade industrial do que sofrer passivamente …” complementou Keynes.

No início da Grande Depressão da economia norte-americana, muitos “deram apoio a Andrew Mellon, o secretário do Tesouro do presidente Hebert Hoover, e à sua tentativa de restaurar o equilíbrio fiscal: a recessão causara uma queda na arrecadação de impostos mais acelerada que a dos gastos. Para restaurar a ‘confiança’, segundo acreditavam os conservadores fiscais de Wall Street, era necessário cortar gastos, um após o outro” descreveu Joseph Stiglitz.

O Brasil dos dias de hoje possui semelhanças assustadoras com o que transcorreu na economia norte-americana dos anos 1930. Primeiramente, a influência dos “altos círculos financeiros” sobre o presidente e seus economistas é evidente. Em segundo lugar, o diagnóstico é o mesmo e, por conseguinte, o receituário proposto também. É fácil prever que os resultados também serão coincidentes.

Nos Estados Unidos, o resultado foi desastroso. A sequela mais aparente foram as Hoovervilles que eram os enormes acampamentos ou “favelas improvisadas” espalhadas pelas ruas das cidades norte-americanas. Eram casas feitas de papelão e sucatas. Seus moradores eram desempregados pedintes e que recebiam sopa quente (sopões) de grupos de voluntários. Cenário semelhante já aparece nas grandes cidades brasileiras.

Recentemente, o governo brasileiro lançou um pacotão de medidas de corte de gastos públicos. São três pacotes, mas somente trataremos daquele que ficou conhecido como Proposta Emergencial. O alvo são os serviços públicos e seus servidores. Há uma certa dúvida no ar: alguns pensam que as medidas somente serão colocadas em prática se e quando a situação orçamentária do governo se agravar. Ledo engano, as condições descritas para a adoção das medidas são aquelas que já vivemos nos dias de hoje. Portanto, as medidas são para aplicação imediata.

As medidas podem ser divididas em dois níveis: aqueles que impedem a melhoria e aquelas que pioram a oferta de serviços públicos e, em consequência, agravarão a situação econômica e social do país. Entre as primeiras, estão: “ficam vedadas … concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores e empregados públicos … admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, … realização de concurso público … combate às desigualdades regionais” (Proposta de Emenda Constitucional – chamada de Emergencial).

Entre aquelas que vão piorar a qualidade dos serviços públicos, estão: “redução temporária da jornada de trabalho, com adequação proporcional dos subsídios e vencimentos à nova carga horária, em, no máximo, 25% (vinte e cinco por cento) … suspensão de progressão e da promoção funcional em carreira de agentes públicos … durante o período de suspensão ficam vedados quaisquer atos que impliquem reconhecimento, concessão ou pagamento de progressão, promoção, reajustes e revisões … não se constituindo desta suspensão quaisquer efeitos obrigacionais futuros” (Proposta Emergencial).

O que o Brasil precisa é exatamente o oposto. São necessárias medidas para melhorar a qualidade e a cobertura dos serviços públicos na medida em que a economia está em depressão e é imperativo socorrer milhões de trabalhadores que estão desempregados e famílias que estão em condição de miséria. As medidas que pioram os serviços públicos agravam a situação porque reduzirão a sua oferta em 25% e desmotivarão os servidores porque terão seus salários nominais reduzidos e, além disso, não poderão ser promovidos (de acordo com avaliação de mérito e eficiência). Com menos salários pagos aos servidores públicos, haverá menos consumo, haverá menos comércio, haverá redução da produção, haverá aumento do desemprego no setor privado.

Nos Estados Unidos, após quatro anos de crise econômica e social agravada pelas medidas adotadas por Hoover, foi eleito em 1932 e começou a governar em 1933, Franklin Delano Roosevelt que lançou um plano global de reforma da economia norte-americana. Seu plano foi batizado de New Deal, ou seja, um novo acordo econômico e social que envolvia toda a sociedade norte-americana. O New Deal não foi somente um grande programa de geração de empregos, foi muito mais que isso.

Entre as medidas adotadas pelo governo Roosevelt, estavam: geração de empregos, inclusive para artistas e jovens; construção de infraestrutura (estradas, distribuição de água e eletrificação), reforma e construção de prédios públicos (principalmente escolas); reorganização da agricultura; reorganização da indústria com atenção para reduzir o poder das grandes corporações; regulação bancária e proteção do correntista e do devedor; estimulo à ampliação da sindicalização; criação de aposentadoria para idosos; limitação da jornada de trabalho; criação do salário mínimo.

A causa do grande problema econômico brasileiro é o desemprego. Os problemas orçamentários do governo são apenas os sintomas. Nenhuma vez a palavra desemprego aparece nos pacotes lançados pelo governo nem na justificativa dessas medidas. Nossos problemas orçamentários fiscais têm como causa o desemprego. Sem empregos, trabalhadores não consomem, empresários reduzem a produção e não investem e o governo arrecada cada vez menos impostos. O déficit publico se agrava. A chamada Proposta Emergencial vai agravar o desemprego, vai aumentar, portanto, o problema orçamentário do governo.

A administração econômica e social de um país deve ser balizada por critérios de eficiência. A pergunta deve ser sempre qual medida é eficaz para alcançar determinado objetivo – e não se tal ou qual medida pertence a essa ou aquela ideologia. Medidas econômicas devem ser eficientes e não medidas de adoração a uma determinada ideologia (o neoliberalismo).

Hoovervilles, Grande Depressão, US, década de 1930