Extrema pobreza bate recorde e já atinge 13,5 milhões de brasileiros

A extrema pobreza continua a bater recorde no País. Segundo a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, divulgada nesta quarta-feira (6) pelo IBGE, 13,5 milhões de brasileiros viviam, em 2018, com menos de R$ 145 por mês. O número é o maior da série histórica, iniciada em 2012. A crise econômica e o golpe de 2016 estão por trás do fenômeno. Entre 2014 e 2018, nada menos que 4,5 milhões de brasileiros empobreceram ainda mais e passaram a integrar essa parcela da população em situação miserável.

 “Em 2018, tínhamos na extrema pobreza o equivalente a mais que as populações de países como Portugal, Grécia e Bolívia”, destacou o pesquisador Leonardo Queiroz Athias, analista da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. O rendimento médio dessas pessoas foi de R$ 69 por mês – bem abaixo do padrão definido pelo Banco Mundial para estabelecer o recorte de pobreza. Pelos critérios da instituição, são considerados extremamente pobres aqueles que vivem com até com até US$ 1,90 por dia – o equivalente a cerca de R$ 145 por mês.

O número de pobres, que vivem com menos de US$ 5,50 por dia, pelos critérios do Banco Mundial, diminuiu em 1 milhão de brasileiros. Porém, as famílias em situação de pobreza ficaram mais pobres – e, por isso, o número de miseráveis aumentou. Em 2014, 4,5% da população estavam na extrema pobreza. No ano passado, eram 6,5%.

Os dados permitem traçar um perfil da extrema pobreza do país: majoritariamente composta por pretos e pardos (75%), com idade até 59 anos (96%) e sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto (60%). Segundo Leonardo Athias, 13,6% dos brasileiros em situação miserável possuíam alguma ocupação em 2018. Só que muitos desses vínculos eram informais, com remunerações baixas. Em 2018, dois em cada cinco trabalhadores estavam nessas condições.

A linha de pobreza, conforme Athias, abrange “pessoas que não estão sujeitas a entrar no mercado de trabalho – são pessoas que estão mais fora”. Entre 2017 e 2018, apesar da massa de rendimento médio mensal real domiciliar per capita ter aumentado – de R$ 264,9 bilhões para R$ 277,7 bilhões –, o crescimento não foi registrado em todas as faixas da renda. Enquanto os 10% mais pobres acumularam o quarto ano de queda nos rendimentos, os 10% mais ricos registraram ganho.

Segundo projeções feitas pelo IBGE, para que essas pessoas em extrema vulnerabilidade subam uma faixa de renda – ou seja, passem à faixa de pobreza –, é necessário um investimento adicional de R$ 1 bilhão mensalmente ou de R$ 76 por pessoa por mês. É um cálculo aproximado, pois considera a alocação de recursos, sem custos operacionais e sem eventuais efeitos inflacionários desse investimento.

De acordo com Athias, o Bolsa Família – que, em média, garante R$ 89 mensais por pessoa – não é suficiente para tirar o beneficiário da estatística de extrema pobreza estipulada pelo Banco Mundial. Desde 2015, a instituição mundial utiliza como padrão R$ 145 mensais. O valor foi estipulado nos marcos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, do qual o Brasil é signatário. “Quando ele (Bolsa Família) foi pensado lá atrás, era próximo da linha de extrema pobreza global. Mas não foi atualizado e criou esse gap (diferença) de 89 para 145 reais”, disse Athias.

Para fins do programa de redistribuição de renda brasileiro, por exemplo, são extremamente pobres os que vivem com menos de R$ 3 ao dia, o que resulta em um rendimento mensal de R$ 90. “O principal programa (Bolsa Família) tem uma linha de R$ 89, quando a linha de pobreza global é de R$145. Mesmo recebendo o Bolsa Família, ele vai estar nessa linha de pobreza”, afirma o analista do IBGE.

Neste ano, o orçamento do Bolsa Família é de R$ 29,4 bilhões. Em 2020, o governo reservou R$ 30 bilhões para o programa. O total destinado não prevê um reajuste no valor do benefício. Segundo dados da Pnad Contínua – que embasam o levantamento do IBGE –, a parcela dos lares atendidos pelo Bolsa Família diminuiu. Passou de 14,9% em 2014 para 13,7% no ano passado.

O aperto na concessão do benefício veio junto com a queda de 14,3% da renda dessas famílias. O ganho per capita passou de R$ 398 para R$ 341. Entre os domicílios onde não há pessoas recebendo o auxílio, a queda no mesmo período (de 2014 a 2018) foi muito menos intensa – de 1,4%.

Para o analista do IBGE, o retrato brasileiro só será melhorado caso haja uma melhora do mercado de trabalho e a implantação de programas de redistribuição de renda. “As facilidades de acessar um programa de erradicação da pobreza, a possibilidade de entrar com um pedido de aposentadoria – todo esse tipo de ações tem influência no recebimento de algum rendimento. Se você não tem acesso ao rendimento, não vai conseguir passar nesse critério de pobreza”, destaca Athias.

O aumento da extrema pobreza no País nos últimos anos está diretamente ligado à recessão no biênio 2015/2016 – que provocou demissões em massa – e também ao golpe de 2016. Com os governos Temer e Bolsonaro, houve cortes em políticas sociais, desmonte da legislação trabalhista e aumento da precarização do emprego.

Assim, a crise “puxou a pobreza”, avalia o gerente do IBGE André Simões. “Para superar isso, tem que haver políticas de combate à pobreza, medidas de estímulo ao mercado de trabalho, políticas distributivas para proteger as populações mais vulneráveis desses ciclos econômicas e estimular cada vez mais a educação.”

Ao longo das últimas gerações – e sobretudo nos governos Lula e Dilma –, houve um aumento considerável no nível de instrução da população brasileira. Mesmo assim o País está distante do patamar internacional, conforme a pesquisa do IBGE. Em 2017, 49% dos brasileiros com idade entre 25 e 64 anos não tinham concluído o ensino médio – mais que o dobro da média dos países da OCDE (21,8%).

O Brasil aparece à frente de países como México, Turquia, Costa Rica e Portugal – mas atrás de diversos outros como Colômbia, Argentina, Chile, África do Sul e a maioria dos europeus, além de Nova Zelândia, Austrália e Japão. “O aumento da escolaridade se deu de forma mais rápida nas gerações mais novas, que se beneficiaram do processo recente de expansão da educação básica e do ensino superior. Mas, mesmo assim, está abaixo da média da América Latina”, disse a pesquisadora do IBGE Betina Fresneda.

No Brasil, apenas 19,7% das pessoas com idade entre 25 e 34 anos tinham ensino superior completo em 2017. Já a média da OCDE era de 36,7%, segundo o IBGE. Além disso, o Brasil tinha em 2015 uma das maiores taxas de analfabetismo da América Latina – de 8% das pessoas com 15 anos ou mais. Esse percentual é igual ao da República Dominicana e menor apenas que El Salvador, Honduras e Guatemala. Por outro lado, a taxa de analfabetismo no mesmo ano era de 0,2% em Cuba, 0,8% na Argentina, 1,5% no Uruguai e 3,4% na Venezuela.