A violenta “democracia” de Washington chega a Hong Kong 

Cidade chinesa enfrenta os efeitos do "choque de civilizações" da Casa Branca.

Por Osvaldo Bertolino

Hong Kong

Hong Kong volta a ser um território conflagrado pela ofensiva anti-China. Há 15 semanas consecutivas que são organizadas manifestações a favor da “democracia” no território chinês de administração especial. Desta vez, algumas pessoas incendiaram uma faixa comemorativa do 70.º aniversário da fundação da República Popular da China, que se assinala em 1º de Outubro.

O movimento é orquestrado contra os acordos entre o Reino Unido e a China em 1997, quando o gigante socialista recuperou a soberania da cidade. Os manifestantes concentraram-se em frente ao edifício do consulado britânico para pedir ao governo de Londres que apoie as suas reivindicações. Alguns levavam bandeiras do Reino Unido e entoaram o hino daquele país.

Nos cartazes, descreve o jornal britânico The Guardian, lia-se “SOS Hong Kong” e citações de Winston Churchill como: “Vamos enfrentar a tempestade da guerra e sobreviver à ameaça da tirania – se necessário durante anos, se necessário sozinhos”.

Ideologia ocidental

Pequim tem denunciado que esse movimento é incentivado por potências estrangeiras – Estados Unidos e Inglaterra – que querem promover a desintegração do território. Continua na mesa a possibilidade de uma intervenção direta das forças militares chinesas para garantir a instabilidade no território, mas o governo só o quer fazer em último recurso – os custos para a imagem externa da China são o principal receio em Pequim.

De certa forma, é o que desejam os manifestantes e seus apoiadores. Estados Unidos e Reino Unido, a exemplo de outras guerras na história, querem um pretexto para alardear ao mundo o seu papel intervencionistas. A mensagem dos manifestantes é inequívoca nesse sentido. Segundo eles, nada mais pacificará a cidade – que é também uma das mais importantes praças financeiras do mundo – além do cumprimento das suas exigências.

Como disse um manifestante ao Guardian, “se falharmos desta vez, não teremos uma segunda oportunidade”. “A nossa sociedade civil será reprimida pelo Partido Comunista Chinês”, conjecturou. A China tem a sua institucionalidade, que abrange, obviamente Hong Kong – a lógica de um país, dois sistemas –, mas a defesa da “democracia” é uma falácia bem conhecida da ideologia dita ocidental.

Jogo internacional

Claro, o jogo com a China não é o mesmo que vinha sendo jogado no Oriente Médio. A entrada da Rússia no conflito da Síria de certa forma enfrentou a arrogância militar de Washington. Com o fim do bloco soviético, o então presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai), proclamou o advento de uma “nova ordem mundial”, e os monopólios imperialistas anunciaram o início de uma era “pós-moderna” de “globalização” e liberalismo mais à direita, o neoliberalismo.

Mas essa nova fase também privou os Estados Unidos de um inimigo definido, que negociava conflitos localizados e equilibrava as ações bélicas de largo espectro – e fez com que antigos aliados, entre os quais os fundamentalistas armados no Oriente Médio para combater os soviéticos, se voltassem contra Washington. Como resultado, a ação política de viés moderno cedeu lugar ao emprego do terrorismo – incluindo o de Estado – numa escala sem precedentes.

Assim, as tensões antes abafadas pelo jogo internacional afloraram e foram reduzidas à pura expressão militar. Novos inimigos, reais ou forjados, entraram em cena e passaram a ser considerados como alvos — destacadamente as nações e regimes que não rezam pela cartilha de Washington, o fundamentalismo religioso não cristão e as organizações políticas que em diferentes pontos do planeta discordam da hegemonia norte-americana.

No âmbito estadunidense, esse quadro foi construindo uma tática belicosa fundada basicamente num imaginário “choque de civilizações” — ideia expressa por Samuel Huntington em seu livro homônimo. Segundo o autor, a conjunção da “civilização confuciana com a islâmica” seria, hoje, a maior ameaça ao ocidente. Algo parecido com o conceito de Bush filho da “guerra preventiva sem limite”.

Capitalismo cristão

Com Donald Trump, a política externa é a mesma. É o “realismo militar” dos chefes militares instalados no poderoso Estado-Maior Conjunto, que transformou-se no guia mais inspirado do grupo dirigente do país. Junto com os Estados Unidos, outras potências se amontoam em clubes como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e, montados em seus arsenais, se autoproclamam os donos do mundo.

Por tudo isso, é natural que o mundo esteja de cabelo em pé diante da ameaças de novas guerras. A China, por exemplo, não tem outra saída a não ser peitar o buldogue de Washington. Os Estados Unidos, mais do que nutrir seus interesses na região, estão empenhados em manter sua hegemonia militar no mundo. E, é preciso lembrar, a Inglaterra manteve seu jugo colonial na região por décadas a fio.

Uma oposição firme aos devaneios belicosos dos Estados Unidos e da Inglaterra só poderá vir, no curto prazo, da Rússia ou da China — infelizmente porque só estes dois países, entre os que se opõem com mais firmeza ao regime de Washington, têm poderes políticos e, principalmente, bélicos para tanto.

E isso é decisivo. Imagine, por exemplo, a China sem seu arsenal de 120 mísseis e 420 ogivas nucleares. Seria apenas mais um país “emergente”. Ninguém lhe perguntaria a opinião em assuntos estratégicos. Provavelmente a Inglaterra não lhe teria devolvido Hong Kong e os Estados Unidos manteriam por lá milhares de agentes especiais subvertendo a ordem socialista e trabalhando em prol da “democracia” e do “capitalismo cristão”.