Teto de gastos vai aprofundar as desigualdades no Brasil

A diretota-executiva da Oxfam, Kátia Maia, prevê um enorme retrocesso caso o Brasil não reveja as drásticas medidas de austeridade adotadas nos últimos anos.

Por Rodrigo Martins, da CartaCapital

(Foto: Fernando Frazão/ABr)

Após 15 anos de avanços, o Brasil parou de reduzir as desigualdades. Em 2017, os 40% mais pobres tiveram uma variação de renda pior do que a média nacional. Da mesma forma, pela primeira vez em 23 anos, o salário das mulheres retrocedeu em relação aos homens. Além disso, os rendimentos médios dos negros encontram-se estagnados em relação aos dos brancos há sete anos.

As informações constam no relatório “País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras”, divulgado pela Oxfam Brasil na manhã desta segunda-feira 26.  A diretora-executiva da entidade, Kátia Maia, prevê um enorme retrocesso no combate às disparidades sociais caso o Brasil não reveja as drásticas medidas de austeridade fiscal adotadas nos últimos anos, como o congelamento dos gastos públicos por 20 anos.

“A Emenda 95  (Teto de Gastos) estaciona o Brasil no tempo. Não permite que o país evolua, construa uma sociedade mais justa, tenha uma economia mais robusta. Até porque a pobreza mina o desenvolvimento e a desigualdade extrema gera violência”.

Confira a entrevista:

CartaCapital: Quão profundo é o processo de regressão social que estamos vivenciando?

Kátia Maia: O Brasil agora é o nono país mais desigual do mundo, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que mede o coeficiente Gini de 189 nações. Nos últimos anos, houve estagnação no processo de equiparação salarial entre mulheres e homens e entre negros e brancos. A renda domiciliar per capita está em queda. Em 2017, os 40% mais pobres tiveram variação de renda inferior à média nacional. Está aumentando a proporção da população em condição de pobreza.

Todos esses acontecimentos se evidenciaram nos últimos dois, três anos. Diante do congelamento dos gastos sociais, a perspectiva é de um agravamento das desigualdades no Brasil. O relatório aponta claramente um cenário de estagnação. Daí o alerta: ou fazemos alguma coisa ou o retrocesso é certo, vamos dar vários passos para trás.

A regressão social é atribuída à crise iniciada no fim de 2014, mas o relatório também critica as drásticas medidas de austeridade fiscal adotadas desde então. Como conciliar o equilíbrio das contas públicas com o desenvolvimento social?

O equilíbrio fiscal é importante, mas pode ser perseguido de outra forma, considerando a realidade que nós temos, de um país extremamente desigual e com muita pobreza. O Brasil lançou mão de um ajuste fiscal focado na redução do gasto social, mas que não enfrenta as distorções do nosso sistema tributário, um dos principais mecanismos de reprodução das desigualdades. Precisamos ver quem está sendo impactado negativamente por esse ajuste e quem manteve privilégios intocados.

A reforma tributária em discussão na Câmara propõe uma simplificação na cobrança dos tributos, mas não altera o caráter regressivo do sistema. Quais são as propostas da Oxfam para uma tributação mais justa?

De fato, os projetos apresentados não reconhecem a urgência de termos um sistema tributário redistributivo. Propomos a criação de novas faixas de contribuição no Imposto de Renda, com alíquotas maiores para os mais ricos. Outro ponto central é o restabelecimento da tributação de lucros e dividendos. Esse imposto existia até 1995, mas foi extinto. O Brasil é um dos raros países do mundo que não taxa os lucros de empresários e acionistas, na contramão de todas as nações desenvolvidas.

Nossa Constituição tem um princípio que não tem sido respeitado: os tributos devem ser cobrados de acordo com a capacidade contributiva de cada cidadão. Quem ganha mais, deve pagar mais. Quem ganha menos, paga menos. Hoje, os impostos indiretos, que incidem sobre o consumo, representam quase metade da carga tributária brasileira. Mas eles são injustos. Trata como iguais os desiguais. Ricos e pobres pagam o mesmo valor pelos tributos embutidos nos produtos. Para reduzir as desigualdades, é preciso diminuir a tributação sobre o consumo e aumentar a taxação sobre renda e patrimônio.

 E os benefícios fiscais? Só em 2018 o governo deve abrir mão de 283 bilhões de reais em renúncias, valor superior à soma dos orçamentos da Saúde e da Educação…

Voltamos à questão do ajuste fiscal. A austeridade tem sido imposta para quem? O governo congela gastos sociais, mas mantém privilégios para setores específicos. Da mesma forma, preocupa a forma como o debate da reforma da Previdência tem sido pautado. Não dá para aceitar uma proposta que atinge prioritariamente a maioria da população, mas não mexe nos privilégios de determinadas castas do funcionalismo público.

A reforma precisa considerar que existe no País o trabalho intermitente. Em meio à crise, é comum os trabalhadores passarem longos períodos de desemprego. A classe média e os mais ricos têm condições de acumular um período maior de contribuição. A maioria da população, não. Muitos brasileiros não têm capacidade contributiva e dependem do Benefício por Prestação Continuada ou da aposentadoria rural para sobreviver.

É  possível manter as políticas sociais com as amarras impostas pela Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos por 20 anos?

Talvez seja possível manter o que tem nos níveis atuais, mas há dois grandes problemas. Primeiro, o atual patamar de investimento não é suficiente para os gigantescos desafios brasileiros tem termos de educação, saúde e assistência social. A Emenda 95 estaciona o Brasil no tempo. Não permite que o País evolua, construa uma sociedade mais justa, tenha uma economia mais robusta. Até porque a pobreza mina o desenvolvimento e a desigualdade extrema gera violência. São fatores de instabilidade para a economia.

O futuro está ameaçado. A tendência é de um aumento do número de pessoas que precisam de assistência do governo e dependem dos serviços públicos. Para retomar o combate às desigualdades e melhorar a qualidade de vida da população, é fundamental revogar essa medida. Isso não significa que devemos abrir mão do controle fiscal. É possível equilibrar as contas em outras bases, sem sacrificar os investimentos sociais.