Últimos passos para uma Itália “antipolítica” governada por xenófobos

A Europa espera com medo o nascimento do novo Governo da Itália. Depois de muitas semanas de incerteza, o acordo parece fechado entre a Liga, partido de extrema-direita que tem como uma de suas grandes bandeiras a rejeição à imigração, e o Movimento 5 Estrelas (M5S), fundado pelo humorista Beppe Grillo sob o slogan “políticos vaffanculo” (políticos vão tomar no cu), supostamente "anti-sistema"

Di Maio e Giuseppe Conte

Di Maio, líder do M5E, pode estar contente porque haverá governo, ao contrário do que muitos antecipavam, mas terá dificuldades em disfarçar que no contrato assinado com Matteo Salvini (líder da Liga) há muito mais do programa proposto pela Liga, populistas de extrema-direita, do que das propostas apresentadas pelo M5E aos italianos.

Para primeiro-ministro, ambos os líderes abdicaram do cargo e indicaram Giuseppe Conte, professor de direito e relativamente desconhecido. Cabe agora ao presidente Sergio Mattarella aprovar a decisão. 

Nas palavras de Di Maio para descrever Conte: “tem um objetivo muito ambicioso: o de conseguir com que o Estado faça menos leis”. Era esse o papel de Conte na proposta de um governo exclusivamente 5 Estrelas. Ia chefiar o novo Ministério da Administração Pública, Meritocracia e Desburocratização. E a principal função era acabar com 400 leis consideradas “inúteis”. Conte é visto como um tecnocrata puro, e se de fato irá liderar um governo formado por duas forças teoricamente contrastantes, ambas populistas, vai ter de aplicar um programa que começou já a gerar desconfiança na Europa e nos mercados.

Salvini não perde uma oportunidade para repetir: “Da segurança às pensões, da imigração ao trabalho, da legítima defesa à flat tax [imposto único sobre a renda tanto para pessoas quanto para empresas], do encerramento dos campos de ciganos(…)" e assim vai.

No programa acordado entre ambos, anti-establishment, soberanista e cético com a União Europeia, a Liga impôs seu viés extremista. O plano de Governo inclui desde a expulsão de 500mil imigrantes ilegais (em vez de procurar outra saída, como regulariza-los, aumentar políticas públicas, etc) até uma radical redução de impostos, uma espécie de tarifa única para o imposto de renda, bem como a introdução de uma renda básica de cidadania. Quanto à expulsão dos imigrantes, não é segredo que a Liga é desde sempre islamofóbica: já chegou a colocar porcos no local onde estava prevista a construção de uma mesquita.

Algumas das propostas mais radicais, como a saída do euro, foram retiradas do programa. Mas prevalece um ar de desconfiança em relação à UE, além de medidas fiscais drásticas. O imposto da renda, que até agora tinha uma tarifa máxima de 43%, vai ficar reduzido a duas tarifas de 15% e 20%. Pede-se uma revisão “das regras de administração econômica europeias”, incluindo da própria moeda única. Vira-se em definitivo as costas para a austeridade. “A ação do Governo visará um programa de redução da dívida pública, não através de receitas financiadas com impostos e austeridade, políticas que não alcançaram os seus objetivos, mas através do crescimento do PIB com o relançamento da procura interna”, lê-se no texto.

A principal medida do M5S, a criação de uma renda básica de cidadania, foi transformada em uma iniciativa confusa que não começaria antes de 2020 e se parece mais com um subsídio de desemprego.

A luta contra a corrupção foi uma das bandeiras de ambos os partidos (apesar da Liga ter feito aliança com o Força Itália, partido de Berlusconi, proibido de ocupar cargos devido a diversas acusações e processos de corrupção), que preveem a criação da figura do “agente provocador”: funcionários que de forma encoberta oferecerão subornos a membros da Administração para comprovar sua honestidade. O acordo prevê um aumento dos gastos com segurança para contratar mais policiais. Além disso, aponta os acampamentos ciganos das grandes cidades como focos de delinquência: “Hoje, 40.000 pessoas vivem nos campos nômades e 60% são menores. É necessário fechar todos esses campos”. O líder da Liga, Matteo Salvini, conseguiu colocar o “direito à legítima defesa” dos cidadãos contra ataques de criminosos como um ponto-chave.

Os dois partidos afirmam que a Itália permanecerá da OTAN, a aliança militar chefiada pelos EUA, embora com “uma abertura à Rússia, que deve ser vista não como uma ameaça, mas como um parceiro econômico e comercial cada vez mais importante”. Essa afirmação é contraditória, uma vez que a OTAN prega o combate à "ameaça russa".