A cantoria está de luto com a morte do repentista Louro Branco

Morreu nesta quinta-feira (18), Francisco Maia de Queiroz, conhecido como Louro Branco, uma das maiores expressões da cultura popular nordestina. O poeta, cantador e repentista, natural de Jaguaribe (CE), morre aos 74 anos em decorrência de problemas cardíacos e deixa uma obra que influenciou a cantoria por muitas gerações.

Louro Branco

Louro Branco era conhecido pelo jeito simples e considerado um dos principais cantadores do Nordeste, tendo conquistado diversos prêmios, inclusive o de melhor cantador do país. Nasceu no dia 2 de setembro de 1943 na Vila Feiticeiro no município cearense de Jaguaribe e trabalhou como pescador, agricultor e vendedor ambulante. Começou a cantar aos 12 anos de e morou em várias cidades nordestinas, dentre elas: Jaguaretama, Limoeiro do Norte e Iguatu, no Ceará; Coronel João Pessoa, Mossoró e Caicó, no Rio Grande do Norte e atualmente em Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco, onde morava desde 1991. O artista popular nordestino levou sua poesia e arte no improviso para 20 estados brasileiros, participou de mais de 400 festivais com todos os maiores cantadores do Nordeste e prestou grande contribuição para a cultura popular. Ao longo de sua carreira, foi autor de mais de 700 composições e escreveu dois livros: “A natureza falando” e “Da casca até o miolo”.

“A cantoria está de luto. É o último grande repentista que se vai”, postou o repentista Geraldo Amâncio nas redes sociais. Amâncio afirmou ainda que “a cantoria perde a graça, o humor, o raciocínio a jato e a inteligência maior do improviso”.

O velório deverá ocorrer no Teatro Municipal de Santa Cruz e o sepultamento está previsto para acontecer nesta sexta-feira (19), no cemitério São Judas Tadeu (cemitério velho).

Abaixo, o poema O Casamento dos Velhos, de Louro Branco 

Tem certas coisas no mundo
Que eu morro e num acredito
Mas essa eu conto de certo
Dum casamento bonito
De um viúvo e uma viúva
Bodoquinha Papaúva
E Tributino Sibito

O véio de oitenta ano
Virado num estopô
A véia setenta e nove
Maluca por um amor
Os dois atrás de esquentar
Começaram a namorar
Porque um doido ajeitou

Um dia o véio comprou
Um corpete pra bodoquinha
Quando a véia foi vestir
Nem deu certo, coitadinha
De raiva quase se lasca
Que o corpete tinha as casca
Mas os miolo num tinha

No dia três de abril
Vêi o tocador Zé Bento
Mataram trinta preá
Selaram oitenta jumento
Tributino e Bodoquinha
Sairam de manhazinha
Pra cuidar do casamento

O veião saiu vexado
Foi se arranchar na cidade
Mandaram chamar depressa
Naquela oportunidade
O veião chegou de choto
Inda deu catorze arroto
Que quase embebeda o padre

O padre ai perguntô:
Seu Tributino, o que pensa,
Quer receber Bodoquinha
Sua esposa, pela crença?
O veião dixe: eu aceito
Tô tão vexado dum jeito
Chega tô sem paciência

E preguntô a Bodoquinha:
Se aceitar esclareça
A véia lhe arrespondeu
Dando um jeitim na cabeça
Aceito de coração
Tô cum tanta precisão
Tô doida que já anoiteça

Casaram, foram pra casa
Comeram de fazer medo
Conversaram duas horas
Uns assuntos duns segredo
E Bodoquinha dixe: agora,
Meu pessoá, vão embora
Que eu quero drumi mais cedo

O véi vestiu um pijama
Ficou vê uma raposa
A véia de camisola
Dixe: óia aqui sua esposa
Cuma é, vai ou num vai?
O veião dixe: ai, ai, ai
Já tá me dando umas coisa

A véia dixe me arroche
Cuma se novo nóis fosse
O véio dixe: ê minha véia
Acabou-se o que era doce
A véia dixe: é assim?
Então se vai dar certim
Que aqui também apagou-se

Inda tomaram uns remédio
Mas num deu jeito ao enguiço
De noite a véia dizia:
Mas meu véi, que diabo é isso?
Vamo vendê essa cama
Nóis sempre demo na lama
Ninguém precisa mais disso

A véia dixe: isso é triste
Mas esse assunto eu esbarro
Eu já bati o motor
Meu véi estrompou o carro
Ê, meu veião Tributino
Nóis dois só tem um menino
Se a gente fizer de barro.

Assista Louro Branco e Geraldo Brito cantando em sextilhas