A tentativa de um duplo golpe na classe trabalhadora

Por meio das denominadas reformas trabalhista e previdenciária pretende-se um duplo golpe na classe trabalhadora, que poderá levar a um grande retrocesso social e os trabalhadores à uma condição de semiescravidão.

Por Ronaldo Lima Santos*

Ataque à CLT

Pelo Projeto de Lei n. 4.330/2004, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e atualmente em tramite no Senado, sob o número 30/2015, pretende-se o afastamento de todos os direitos trabalhistas previstos na CLT.

De fato, além da precarizante terceirização das atividades-fim das empresas, o que, per si, já seria um golpe nos trabalhadores, por submetê-los empresas subcontratadas, manifestamente elas mesmas precárias, sem lastro econômico, e, por isso precarizantes, pretende-se legalizar o que atualmente são consideradas situações de fraude à relação de emprego, como a “pejotização”, o falso autônomo, e os falsos cooperados.

Por ironia do ironia do destino, a jornalista Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, que presidiu a sessão de aprovação na Câmara dos Deputados do “Projeto de Terceirização”, ganhou uma ação trabalhista em face da Rede Globo em virtude do reconhecimento judicial da nulidade da sua contratação, no período de 1989 a 2001, como falsa pessoa jurídica (“pejotização”), tendo a fraude sido reconhecida pelo Tribunal Superior de Trabalho. Se para uma trabalhadora que recebia em torno de R$ 10.000,00 (dez mil reais) mensais o sistema não é bom, porque o seria para os demais trabalhadores?

No ano de 2011, a Rede Globo firmou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro, após a constatação de contratação fraudulenta de jornalistas (“pejotização”), jornadas de trabalho que alcançavam 19 horas de trabalho, não concessão de descansos semanais remunerados entre outras irregularidades.

São contratações precárias, sem pagamento ou concessão de férias, sem limitação de jornada, 13º salário, previdência social, proteção em casos de acidentes do trabalho ou doença profissional, sem Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sem descanso semanal remunerado. O que se pretende é a redução dos trabalhadores à condição análoga a de escravo.

Como os direitos trabalhistas não podem ser suprimidos do nosso ordenamento jurídico, por constituírem cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, o objetivo é a sua supressão por via inversa: extinguindo-se a própria relação de emprego.

As grandes empresas de comunicação e telecomunicações, por exemplo, maiores interessadas aprovação deste projeto, estão entre as que mais precarizam as relações de trabalho e, paradoxalmente, são as mais dependentes de direito estatal. Com tudo isso, não conseguem se manter no mercado. A OI é o exemplo perfeito da não sustentação do discurso precarizante e da falácia da terceirização.

Praticamente todas as grandes empresas no Brasil são dependentes do capital estatal. Em 2013, o grupo JBS recebeu do BNDES o montante de R$ 2,4 bilhões, a Copel 1 bilhão, a Braskem 863 milhões, a Light 276 milhões; Novartis Biociência 804 milhões. A TIM recebeu do BNDES 5,7 bilhões, mesmo o Brasil tendo um dos preços mais altos do mundo pelo sinal de telefonia móvel.

Em 2014, as grandes empresas privadas no país receberam juntas um montante de 117 bilhões de reais. A AMBEV, uma empresa de bebidas, sem qualquer interesse social, 956 milhões. A Global Village Telecom (GVT) R$ 1 bilhão; o Grupo B2W e Lojas Americanas R$ 2,658 bilhões, a Vale S/A 6,163 bilhões.

Também interessante é o caso da nossa indústria automobilística; em 2013, a Mercedes-Benz recebeu R$ 560 mihões; a Volkswagem 600 milhões. Estas empresas fabricam veículos com dinheiro estatal, pegos a juros baixíssimos (2 a 4% ao ano), e os vendem a preços e juros altíssimos ao consumidor final. Em última análise é como se o próprio consumidor pagasse pela produção do seu veículo e também por sua aquisição, além dos juros para o setor bancário, que equivalem a mais um veículo.

O caso da Fiat é interessante, entre 2011 e 2014, recebeu empréstimos de R$ 6,256 bilhões. Seria mais prático dar um carro para cada brasileiro. Aqui está a raiz da questão. Muitas das nossas empresas privadas não são competitivas, não possuem know how ou tecnologia suficientemente desenvolvida para competir até mesmo dentro do país.

No final de 2015, o governo encerrou o Programa de Sustentação de Investimentos, gerando uma suposta irresignação por parte de empresários que queriam mais fatias do bolo do dinheiro público. Mais de 220 bilhões de reais entraram para a conta da sociedade, sendo, inclusive, o principal fator de elevação da inflação, desaceleração da economia e desemprego. Trata-se de um círculo vicioso no qual as grandes empresas privadas do Brasil apropriam-se do dinheiro público, tornam-se responsáveis pela crise econômica e tentam, por meio de um discurso ideológico e hegemônico, propiciado pela oligopolização dos meios de comunicação, responsabilizar os trabalhadores pela crise e pelo desemprego que elas mesmas causaram.

Henrique Meirelles e Pedro Parente são símbolos deste capitalismo empresarial predatório. Eles não falam em projeto econômico, falam em salvar empresas, ou melhor, empresários. Não falam em reforma tributária, na contenção da financeirização da economia brasileira e outros fatores essenciais para a retomada da economia. O próprio Adam Smith pregava o controle do setor financeiro pelo Estado, bem como a necessidade de intervenção estatal para redução das desigualdades sociais e proteção aos mais pobres.

Por outro lado, o Projeto de Lei de “Terceirização” poderá levar à implosão de todo o sistema sindical brasileiro. As categorias de trabalhadores, atualmente já heterogêneas tenderão a se diluir. De um lado, uma estrutura sindical fundada na unicidade e na homogeneidade da categoria; do outro, uma pluralidade de formas de contração e uma heterogeneidade formal dos trabalhadores dentro da empresa aliada aos processos de terceirização e quarteirização. Muitos sindicatos não sobreviverão.

Com os sindicatos implodidos ou, no mínimo enfraquecidos, o Projeto de Lei n. 4.193/12, que prevê a prevalência do negociado sobre o legislado, possibilitará maior redução de direitos sociais. Por sua vez, o Projeto de Lei n. 427/2015 pretende sacramentar a validade de acordos extrajudiciais individuais entre empregados e empregados, ao modo dos fraudulentos tribunais arbitrais tão combatidos pelo Ministério Público do Trabalho.

Do mesmo modo, pretende-se faturar os prejuízos para a sociedade por meio da Proposta de Emenda Constitucional n. 241, que prevê o congelamento dos gastos sociais por 20 anos será altamente prejudicial aos servidores públicos e a todos aqueles, com a proibição da criação de novos cargos e realização de novos concursos, reestruturações de carreiras.

A indústria da confecção é exemplo atual do desejo do retorno da escravidão no Brasil, pouco mais de 100 anos após a sua “abolição formal”, já que constantemente utiliza ilegalmente mão de obra escrava em suas cadeias produtivas. A escravidão já é um fato. Querem formalizá-la juridicamente.

A cereja do bolo do sadismo das classes empresariais e da direita escravizante será a alteração da lei previdenciária em prejuízo dos trabalhadores e demais beneficiários. De um lado, a extinção do emprego; do outro, o aumento da idade para a aposentadoria. Na prática, a impossibilidade de se aposentar e a escravidão perpétua. Como demonstram os próprios dados oficiais, a Previdência Social não é deficitária, mas superavitária, se não o fosse, os banqueiros não estariam interessados na sua privatização, com já vem ocorrendo indiretamente, por meio dos planos de previdência complementar, tão lucrativos para os bancos.

Cada direito trabalhista foi fruto de muita luta, suor e sangue, por meio a ação coletiva dos trabalhadores. A manutenção deles exigirá, como sempre exigiu, muita união e consciência de classe.