Alegria e força unem artistas contra o golpe e pela democracia

O ato de artistas, intelectuais e movimentos contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na noite desta segunda-feira (11), na Lapa, foi marcado pela amplitude e pluralidade. Em comum, entre as mais de 50 mil pessoas que lotaram a Fundição Progresso e acompanharam o evento, que terminou se estendendo aos Arcos da Lapa, havia a disposição de defender a democracia e dizer não ao golpe em curso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da manifestação.

Chico Buarque e Lula

Estiveram presentes artistas como Chico Buarque, Beth Carvalho, Alceu Valença, Otto, Tico Santa Cruz e Flávio Renegado, o humorista Gregório Duvivier, os atores Antônio Pitanga e Letícia Sabatella, os escritores Ziraldo, Eric Nepomuceno e Fernando Morais, o teólogo Leonardo Boff, e os dramaturgos Aderbal Freire Filho e José Celso Martinez Correa.

Apesar de ser um ato da Cultura em defesa da democracia, políticos, juristas, movimentos sociais e militantes de partidos como PT, PCdoB, PSOL e PDT também compareceram. Entidades como UNE, MST, MTST, CTB, CUT, Unegro, Federação Única dos Petroleiros (FUP) estiveram representadas. E, do lado de fora, uma verdadeira multidão ocupou os Arcos da Lapa para acompanhar a atividade por um telão.

Os discursos foram pautados pelo combate ao golpe e apontaram a falta de fundamentos jurídicos e de crime de responsabilidade no pedido de impeachment que tramita no Congresso. Alguns oradores, críticos ao governo federal, deixaram claro que não se trata de defender as ações da presidenta Dilma Rousseff, mas, sim, a própria democracia, quem está sob ataque da oposição.

Um manifesto assinado por diversas personalidades foi lido por Nepomuceno. O texto classifica como "ressentidos da derrota e aventureiros do desastre" os apoiadores do impeachment. "Entendemos claramente que o recurso que permite a instauração do impedimento presidencial integra a Constituição Cidadã de 1988. E é por respeito a essa Constituição que seu uso indevido e irresponsável se constitui um golpe institucional. Quando não há base alguma para sua aplicação, o que existe é um golpe de Estado", diz o documento.

Chico Buarque subiu ao palco, deu um abraço em Lula e disse que não pretendia falar, por já haver se manifestado no ato do dia 31 de abril. Mas, diante dos apelos do público, que entoou um "Chico, eu te amo", ele mudou de ideia. E brincou: “Eu já vi que vocês amam todo mundo. Quero dizer que nós amamos essa energia toda, da juventude, que está junto com a gente em defesa da democracia! Não vai ter golpe!”, discursou.

 

Chico Buarque pela democracia 11/04
Publicado por Mídia Ninja em Segunda, 11 de abril de 2016

“A democracia tem a natureza da flor, ela é frágil, como disse Wagner Moura, mas ela tem a força de sua beleza, a força de seu perfume. Essa democracia está sendo ameaçada agora, especialmente por aqueles que estão atualizando a casa grande, que são esses que sempre dominaram o nosso país”, afirmou Leonardo Boff.

A cantora Beth Carvalho puxou um samba durante o evento, feito de véspera para a ocasião. O refrão dizia: "Não vai ter golpe de novo/ Reage, reage, meu povo" e foi acompanhado pelo público. O compositor e cantor Nelson Sargento, de 91 anos, disse que “não iria dormir sossegado se não estivesse aqui hoje”.

“Fique, Dilma. E Melhore”

O humorista Gregório Duvivier foi um dos que destacaram que o que está em jogo é a democracia e, não, um governo. “Vamos lembrar que esse não é um ato de adesão ou defesa do governo, é um ato em defesa da democracia. Que fique gravada nossa insatisfação, o lado de lá está insatisfeito, mas nós também, o que nos une é a insatisfação com o que não está acontecendo. Ao invés de falar 'fica, Dilma', vamos falar 'fica e melhora'”, disse, defendendo que a presidenta “governe para a esquerda, em nome do projeto para a qual foi eleita".

Segundo ele, o Congresso não tem legitimidade para decidir o futuro do país. "O impeachment capitaneado por Eduardo Cunha é como um pênalti marcado pelo Eurico Miranda a favor do Vasco", completou.

O humorista ainda criticou a campanha de ódio utilizada pela oposição e defendeu que a esquerda não use do mesmo expediente. “A grande arma do lado de lá é o ódio contra a gente, mas a gente não pode cair na mesma onda e criminalizar a onda de lá, dizer que tem 2 milhões de fascistas. Na verdade são 2 milhões de desinformados. Nossa arma tem que ser amor, toda revolução é um ato de amor, caso não seja, é golpe”

O ator Wagner Moura, que não pôde comparecer, falou ao vivo via conferência digital, exibida no telão. E foi na mesma linha de Duvivier. Ele destacou não ter votado em Dilma no primeiro turno, mas lembrou que “54 milhões de outras pessoas votaram”.

Para Moura, a democracia brasileira é frágil, mas avançou devido a políticas dos governos Lula e Dilma. "O que acontece hoje é uma tentativa de retrocesso da democracia brasileira. Em 2012 houve um golpe no Paraguai. Não é paranoia brasileira. Tenho orgulho de dizer que a minha geração, assim como a de 1964, não está se omitindo", disse.

Democratização da mídia

O músico Tico Santa Cruz, da banda Detonautas, se colocou contra o golpe e afirmou que "não existe democracia nesse país se não existir democratização da mídia. Não podemos deixar que cinco famílias controlem a informação que chega aos brasileiros". A fala foi seguida de gritos de “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. O cantor emendou, dizendo que o povo, no entanto, tem a internet.

“Nossa luta tem que continuar nas ruas. Não é tão difícil escolher um lado. Olha a diversidade que tem aqui dentro, olhas os artistas que têm aqui, os pensadores. Sabemos o lado certo. Aos artistas que não se posicionaram vão entrar para a história como covardes e omissos”, criticou.

O rapper Flávio Renegado também participou do evento. "Há pouco tempo pude entender o que é democracia. Porque na comunidade não tem democracia, tem abuso da polícia. Negro na universidade incomoda, mulher no poder incomoda", discursou.

A líder indígena Sônia Guajajara também defendeu a democracia e disse que quer pressionar esse governo, e não outro, por avanços. “Nós sabemos o que é opressão, nós sabemos o que é violência, nós sabemos que só com luta é que vamos conseguir aprimorar a verdadeira democracia. E o que é uma verdadeira democracia pra nós? É a inclusão social, é a inclusão nos espaços de poder, é ter indígena lá, é ter mulher lá, é ter negro lá, é ter os mais pobres lá, é isso que é a democracia. Estamos aqui para exigir que esse governo olhe para os povos indígenas. Para que olhem para nossas terras. Demarcação Já! ” colocou.

Oposição contra Lula em 2018

O dramaturgo Aderbal Freire Filho afirmou que quem quer o impeachment é a oposição derrotada nas urnas. "Aécio, cara, renuncie à Presidência que você não ganhou", ironizou.
Já o cineasta Luiz Carlos Barreto defendeu que "temos que prestar muita atenção no movimento [da oposição]". Para ele, os pedidos de impeachment são para impedir que Lula seja candidato em 2018.

"Não é passeata de 3 milhões que vai apagar o voto de 54 milhões de brasileiros. O impeachment não é apenas uma perda política. É uma perda moral. O que está em jogo não é o mandato de uma presidente, e, sim, o estado democrático de direito. Os golpistas têm um pulo do gato, que é tentar fazer com que Lula não seja eleito ou até concorra em 2018. Eles voltarão à carga e devemos estar prontos para responder a altura".

Enquanto artistas, intelectuais e ativistas se manifestavam na Fundição Progresso, milhares de pessoas assistiram ao ato por um telão e acompanharam entusiasmadas o evento até o discurso do ex-presidente Lula.