José Carlos Ruy: 1914; guerra e revolução

O historiador marxista Eric Hobsbawm definiu como limite para o “curto século 20” as datas de 1914 e 1991, que indicam o início da Primeira Grande Guerra e o fim da União Soviética.

Por José Carlos Ruy, na revista Princípios

Imagem da Revolução Russa

Hobsbawm tem razão se considerarmos que as contradições gestadas entre a burguesia e o proletariado e entre as nações europeias, no período dos cem anos posteriores às guerras napoleônicas, se acentuaram na segunda metade do século 19, e levaram à Grande Guerra cujo início, em 1914, indicou a abertura de uma nova época que teve sua marca mais forte no esforço de construção do socialismo, terminado – pelo menos na Europa – em 1991 (Hobsbawm: 1995, pág.30).

Aquele conflito colocou um fim na época histórica marcada pela consolidação do capitalismo concorrencial e da hegemonia burguesa. Época também da emergência da revolução proletária, que surgiu com os grandes levantes populares e proletários da primavera dos povos europeia na metade do século 19.

Nesse sentido, o grande conflito iniciado em 1914 sinalizou duplamente o ponto final de uma época histórica e o início de outra, marcada pelo maior desafio enfrentado pelo sistema capitalista.

Assim, 1914 pode ser considerado como o marco inicial do século 20 e do prolongado conflito que opôs os esforços conservadores pela manutenção e fortalecimento do sistema capitalista à luta dos povos e dos trabalhadores para alcançar o avanço civilizacional representado pela superação do modo de produção capitalista e o começo da transição para o socialismo.

Menos de um mês após o início da guerra o dirigente bolchevique V. I. Lênin foi autor de um manifesto do Comitê Central do Partido Operário Social Democrata da Rússia (publicado em 1º de setembro de 1914), com o registro preciso das razões da guerra e do desafio que estava colocado para os socialistas (Lênin: 1979).

O primeiro parágrafo daquele documento, intitulado “A Guerra e a Social Democracia na Rússia”, diz: “A guerra europeia, que foi preparada no decorrer de decênios pelos governos e pelos partidos burgueses de todos os países, rebentou. O aumento dos armamentos, a extrema agudização da luta pelos mercados na época do estágio atual, imperialista, do desenvolvimento do capitalismo nos países avançados e os interesses dinásticos das monarquias mais atrasadas, as da Europa Oriental, deviam conduzir inevitavelmente, e conduziram, a esta guerra. Conquistar terras e subjugar nações estrangerias, arruinar a nação concorrente, saquear as suas riquezas, desviar a atenção das massas trabalhadoras das crises politicas internas da Rússia, Alemanha, Inglaterra e de outros países, a desunião e o entontecimento nacionalista dos operários e o extermínio de sua vanguarda com o objetivo de debilitar o movimento revolucionário do proletariado, é o único real conteúdo, significado e sentido da atual guerra” (Lênin: 1979, pág. 559).

A análise de Lênin, com sua costumeira precisão, une elementos do passado que chegava a fim, com outros que apontavam para o futuro. Ele alinha entre os motivos da guerra a disputa interimperialista que opunha principalmente a Alemanha aos países europeus dominantes (a Inglaterra e a França), os interesses dinásticos de monarquias ultrapassadas, e o temor dos governos e das burguesias ante a revolução proletária que se punha na ordem do dia.

As contradições na Europa Central e nos Balcãs deram o pretexto para a guerra. Aquela região era marcada pela confluência de interesses, crenças e modos de viver ligados às grandes monarquias atrasadas. Ali o império alemão (unificado desde sob Bismarck, sob a hegemonia prussiana, desde a época da Comuna de Paris), se confrontava com interesses dos enfraquecidos impérios austro-húngaro, russo e otomano. Três daqueles impérios (austro-húngaro, russo e alemão) formavam, desde o Congresso de Viena (1815), a Santa Aliança, que era a fortaleza da reação contra a revolução, o constitucionalismo e a democracia.

O pretexto para o início da guerra, em 1914, foi a morte, por um nacionalista sérvio, do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono austro-húngaro, ocorrido em 28 de junho de 1914, em Sarajevo, na Bósnia.

Foi o estopim daquele conflito longamente preparado. A grande potência imperialista era então a Inglaterra, cujos tentáculos estavam em todo o planeta (era o império, dizia-se, onde o Sol nunca se punha), e seu poderio baseava-se na enorme força naval que permitia ações militares em todas as regiões. Para opor-se a ela o kaiser Guilherme II (1888-1918) iniciou, na década de 1890, uma política de armamento da Alemanha que dotou o país de uma força naval capaz de rivalizar com o poderio britânico. Seu objetivo era alcançar, a favor da burguesia alemã, a redistribuição imperialista dos domínios coloniais e dos mercados no mundo. Este foi o verdadeiro objetivo da guerra.

Outra razão apontada por Lênin era a necessidade que os governos burgueses tinham de se contrapor à luta revolucionária dos trabalhadores, que tinha presença cada vez maior no cenário europeu. Este esforço de contenção conservadora se dava em dois níveis – um era ideológico; o outro mais propriamente policial. No aspecto ideológico aqueles governos tudo fizeram para fortalecer o sentimento patriótico de seus trabalhadores colocando-os em oposição aos trabalhadores dos demais países. O sucesso desse esforço pode ser observado no fato de que os próprios partidos socialistas da 2ª Internacional apoiaram decididamente a política belicista de seus governos, levando ao que Lênin chamou de “bancarrota” daquele socialismo. Mas havia também o esforço, que pode ser considerado policial, de liquidar a organização dos trabalhadores e separá-los de seus lideres mais consequente – seja pelo assassinato puro e simples, como ocorreu no final da guerra com a perseguição aos comunistas alemães e o assassinato dos dirigentes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Aquela guerra inaugurou a época de conflitos extensos. Aliás o título do capítulo 1º do livro de Eric Hobsbawm sobre o século 20 é justamente este – “A era da guerra total”. E o conflito foi visto por muitos analistas contemporâneos como a falência da civilização – e mesmo da humanidade (Hobsbawm: 1995, pág. 30). Não se compreende o século 20, diz ele, sem que se entenda aquela guerra e o período prolongado de confrontos armados que ela iniciou. As proporções das guerras passaram a ser gigantesca. No século 20, elas “iriam dar-se numa escala muito mais vasta do que qualquer coisa experimentada antes”; a guerra de 1914, avalia, inaugurou “a era do massacre” (Hobsbawm: 1995, pág. 32).

Foi a primeira guerra que aplicou extensamente a tecnologia moderna. Foi o cenário inaugural dos horrores da guerra química e ambos os lados usaram gases venenosos em larga escala, matando massivamente soldados e mesmo a população civil. Submarinos também passaram a ser amplamente usados, seja no combate direto a navios inimigos, seja como arma para ameaçar navios mercantes e impor o bloqueio a portos das nações inimigas, causando também muitas vítimas entre a população civil, que era assim submetida à fome e todo tipo de carências. Foi na Primeira Grande Guerra que se usou, pela primeira vez, os limitados aviões de então, e os tanques de guerra.

Foi na guerra de 1914 que foram mobilizados também números estonteantes de combatentes. No total, foram quase 70 milhões. Do lado aliado (tendo à frente Inglaterra, França, Itália e Rússia), foram cerca de 43 milhões de soldados, contra os 25 milhões da Alemanha e as potências centrais. Quase 20 milhões foram mortos (10 milhões de civis e mais de nove milhões de militares. Entre os aliados, foram onze milhões de mortos; entre alemães e seus aliados, o morticínio passou de oito milhões). Foi o primeiro conflito onde a capacidade de matar, ampliada pela aplicação da tecnologia, alcançou escala tão gigantesca.

Aquela guerra pode ser entendida também como uma etapa, sangrenta, da revolução democrático-burguesa na Europa. Foi um passo na derrota da aristocracia e que, a rigor, só se consolidou na grande guerra seguinte, a de 1939-1945 quando Adolf Hitler, para vingar-se dos oficiais prussianos que ousaram armar um tentado para matá-lo, em junho de 1944, praticamente dizimou a classe latifundiária dos junkers (ver Barraclough: 1975).

O arranjo de classes formado na Europa com a revolução francesa do final do século 18 tinha, na base, uma aliança entre a burguesia e a plebe de trabalhadores urbanos e, principalmente, camponeses.

Aquele arranjo foi radicalmente alterado na segunda metade do século 19. A emergência da revolução proletária, nas jornadas de 1848, quando as massas nas principais nações europeias se levantaram, foi percebida como ameaçadora pela burguesia. Não é por acaso que, naquele contexto, Karl Marx e Friedrich Engels redigiram o Manifesto do Partido Comunista, que definiu o programa e os objetivos das forças avançadas.

A aliança de classes que defendia o progresso social e o avanço civilizacional foi rompida desde então e a burguesia, temerosa, juntou-se à aristocracia em nome da defesa da ordem. E da propriedade!

Marx registrou essa mudança em O Capital. A "insurreição parisiense de junho e sua sangrenta repressão fez com que se unissem em bloco, tanto na Inglaterra como na Europa Continental, todas as frações das classes dominantes, latifundiários e capitalistas, especuladores da Bolsa, lojistas protecionistas e livre-cambistas, governo e oposição, padres e livre pensadores, jovens prostitutas e velhas freiras, sob a bandeira comum da salvação da propriedade, da religião, da sociedade! A classe trabalhadora foi por toda parte proscrita, anatemizada, colocada sob a Loi des suspects, uma lei de exceção que permitia, na França do Segundo Império, a prisão e o banimento, sem qualquer formalidade, dos que fossem considerados inimigos do governo” (Marx: 1978, cap. 8º).

As monarquias europeias (principalmente aquelas que Lênin incluiu entre as mais atrasadas: a alemã, a austro-húngara e a russa), e a velha e decadente aristocracia dos demais países, obtiveram uma sobrevida. Passaram a governar ao lado da burguesia em arranjos antirrevolucionários e antidemocráticos que levaram até as primeiras décadas do século 20 práticas do velho absolutismo enraizado nos séculos anteriores à revolução francesa. Elas só foram derrotadas, e saíram de cena, ao final da guerra (Mayer: 1977 e 1987).

A guerra, iniciada como uma disputa interimperialista para a redivisão do mundo entre os dominantes, e para revolver disputas territoriais entre as velhas e decadentes dinastias, terminou com uma ameaça maior para o domínio da burguesia. Havia entre os objetivos guerreiros, e Lênin apontou isso, a disposição das classes dominantes de derrotar a luta dos trabalhadores e afastar o fantasma da revolução proletária.

Este esforço foi em vão. Na Europa, houve movimentos revolucionários no outono de 1918 nos países do centro e sudeste, como antes ocorrera na Rússia, em 1917. Houve tentativas revolucionárias em todos eles. Em primeiro lugar na Rússia onde, em fevereiro de 1917, o czar foi deposto e tentou-se implantar uma república parlamentar, à maneira ocidental. A crise política desembocou, em outubro (ou novembro, pelo calendário ocidental) na vitória dos revolucionários dirigidos por Lênin, dando inicio à primeira e mais durável tentativa de construção do socialismo.

Em “Guerra e a Social Democracia há Rússia” Lênin já havia delineado o caminho revolucionário que levou à vitória. Com uma veemente condenação da traição ao socialismo pelos partidos da 2ª Internacional, particularmente o partido alemão que, entre eles, era o maior, o mais importante e o mais influente.

Lênin os condenou por não se oporem à “conduta criminosa dos governos” e defenderem a fusão da política da classe operária “com a posição dos governos imperialistas”. E apresentou aquela que defendia como sendo a única posição correta naquela conjuntura: transformar a guerra imperialista em guerra civil revolucionária. Os socialistas deviam, escreveu, responder à guerra da burguesia e dos governos com a “redobrada propaganda da guerra civil e da revolução social”, insistindo que aquela era “a única palavra de ordem proletária justa”. Foi seguindo esta orientação que o partido bolchevique tomou o poder em 1917 e mudou o rumo da história.

Para Lênin e os bolcheviques a revolução russa seria o prenúncio de outra, nos países industrializados, principalmente na Alemanha.

Esta esperança tinha algum fundamento. Em janeiro de 1918, diz Hobsbawm, houve uma onda de greves políticas e manifestações contra a guerra na Europa Central. Elas começaram “em Viena, espalhando-se, via Budapeste, às regiões tchecas da Alemanha, culminando na revolta dos marinheiros austro-húngaros no Adriático” (Hobsbawm: 1995, pág. 73).

Mas a esperança dos bolcheviques foi frustrada. Na Alemanha, a derrocada do império, com a assinatura do armistício, em 11 de novembro de 1918, desencadeou um processo de luta de classes que poderia levar a um desfecho revolucionário. Os conselhos de operários e soldados (uma versão local dos sovietes) proliferaram, principalmente nas grandes cidades alemãs. Mas enfrentaram a oposição dos dirigentes do SPD. Segundo o historiador Micos Hajek, na Alemanha em 1918 os dirigentes do SPD que, teriam aceitado, no final de outubro a instauração de uma monarquia parlamentar com algum verniz social, em 9 de novembro se viram na contingência de liderar uma revolução que não desejavam nem apoiavam. Eles apostavam numa democratização gradual da república junker-burguesa e, para manter a revolução nesse âmbito democrático-burguês, “contra as tentativas revolucionárias do proletariado, aliaram-se inclusive com os generais prussianos” (Hajek: 1985, 171).

Em 9 de novembro o príncipe von Baden, herdeiro do império alemão, transferiu o governo ao dirigente do Partido Socialista da Alemanha (SPD, Sozialistische Partei Deutschlands) Friedrich Ebert, e há notícias de que Ebert, antes do embarque do príncipe ao exílio, teria dito a ele que odiava a revolução e tudo faria para evita-la. A revolução alemã desembocou assim na República de Weimar e todas suas limitações e contradições.

Em dezembro de 1918, em Berlim, o 1º Congresso Nacional dos Conselhos de Operários e Soldados rejeitou a transferência do poder aos conselhos (ao contrário do que ocorreu na Rússia em 1917, com a vitória da palavra de ordem “todo poder aos sovietes”). Revelavam aqui sua essência contrarrevolucionária ao defender que seria pela Assembleia Constituinte que se institucionalizaria o novo regime republicano (Loureiro: 2005).

O governo do SPD apoiou-se nos mal afamados freikorps (“corpos livres”, também conhecidos entre os operários como “guardas brancos”) da direita alemã, formados por ex-combatentes inconformados com a derrota na guerra – oficiais, suboficiais, gente proveniente das camadas médias monarquistas, ou antigos operários que não queriam largar o exército. Eles formaram “o principal apoio militar do governo social democrata”, sendo “os responsáveis pela derrota, em janeiro de 1919, dos operários revolucionários” (Hajek: 1985, 175). Os freikorps tiveram forte apoio do ministro da Defesa do governo social democrata, Gustav Noske, que era membro do SPD.

Eles os usou para reprimir o levante revolucionário de janeiro de 1919, e foi um desses esquadrões da morte que assassinou os líderes revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, em Berlim, em 15 de janeiro de 1919.

Isto é, a revolução alemã, ocorrida no fim da guerra e que poderia desembocar no socialismo, entrou no labirinto que levaria à sua derrota, depois de muita luta. Houve uma breve república soviética na Baviera.

Outra tentativa, também na Europa central, ocorreu na Hungria, onde uma república soviética conseguiu manter-se entre março e julho de 1919. Ambas – na Baviera e na Hungria – foram eliminadas com ferocidade.

O Tratado de Versalhes, que marcou o fim da guerra, teve um duplo objetivo. O primeiro era conter o ímpeto imperialista da Alemanha e proteger os interesses da principal potência imperialista de então, a Inglaterra. O outro era cercar a Rússia soviética e levar a seu isolamento internacional para impedir que o exemplo revolucionário se espalhasse.

A Alemanha foi obrigada a reconhecer os prejuízos que causara a outras nações, ficando obrigada ao pagamento de pesadas indenizações que inviabilizariam sua estabilidade econômica e seu desenvolvimento. Isso levou a uma profunda desagregação de sua vida econômica na década seguinte, marcada pelo desemprego, miséria popular e inflação numa escala jamais vista. O Tratado de Versalhes reuniu todos os ingredientes que, 14 anos depois, levaram os nazistas ao poder e a outra guerra mundial, iniciada em 1939 pela mesma Alemanha que tentavam conter.

Os vitoriosos também tentaram, com aquele tratado, “tornar o mundo seguro contra o bolchevismo”. Esta era a meta das grandes potencias, com a criação de novas pequenas nações para serem um “cordão de isolamento” contra a URSS. Para aquelas potencias vitoriosas na guerra o regime revolucionário que surgiu na Rússia passou a ser “um imã para forças revolucionárias de todas as partes”.

Como analisou Hobsbawm, “os muitos pretendentes à sucessão, pelo menos na Europa, eram vários movimentos nacionalistas que os vitoriosos tendiam a estimular, contanto que fossem antibolcheviques, como convinha”. "Uma zona de pequenos estados-nação formaria uma espécie de cinturão de quarentena contra o vírus vermelho" (Hobsbawm: 1995, págs. 38, 39, 40 e 73).

O nazismo que sucedeu à República de Weimar não foi apenas consequência das imposições feitas pelos vencedores da guerra, mas também do esforço de conter a revolução russa e derrotar a classe operária e o socialismo. Ele foi fruto da conduta antirrevolucionária dos dirigentes do SPD e sua pretensão de parar a revolução na Alemanha. Uma revolução é um processo histórico e político objetivo cuja eclosão não depende da vontade de um grupo de dirigentes ou de um partido – ela resulta do entrechoque das “camadas tectônicas” que movem a sociedade, a luta entre classes sociais antagônicas. Sua solução pode levar ao avanço ou à paralisia do processo histórico. Seu desencadear está ligado a estas condições objetivas e também à existência de um partido e líderes capazes de cumprir suas responsabilidades históricas.

Na Rússia, os bolcheviques, dirigidos por Lênin e seus camaradas, deram uma resposta positiva a estre desafio, e tiveram êxito.

Na Alemanha, a direção do SPD tentou parar a revolução, presa à crença de ser mais adequado e “democrático” deixar a solução do confronto para a Assembleia Constituinte. A conclusão que se impõe é a de que, da mesma forma como uma revolução não se deflagra pela vontade subjetiva de um grupo de revolucionários, ela também não pode ser detida por escolhas políticas feitas por aqueles que deveriam estar à sua frente.

Por isso, na Alemanha, o processo social da revolução continuou. Com a derrota dos operários revolucionários, aquele processo evoluiu para a direita, e sua saída lógica foi o nazismo que chegou ao poder em 1933.

Os efeitos da guerra de 1914 permanecem, passados cem anos de seu início. Ela inaugurou a era dos grandes conflitos imperialistas pela divisão das zonas de influência no mundo, e esta etapa ainda não está concluída.

As lutas e os massacres na Europa, na década de 1990, são consequência que permanece do acerto entre as nações ao final da guerra. “Os conflitos nacionais, que despedaçaram o continente na década de1990” escreveu Eric Hobsbawm, “são as galinhas velhas do tratado de Versalhes, voltando mais uma vez para o choco” (Hobsbawm: 1995, pág. 39).

E há também a questão da revolução proletária que, diz Lênin, é característica de nossa época. Aquela guerra trouxe para o primeiro plano a luta do imperialismo contra a revolução socialista. Isso ajuda a entender o mundo que se seguiu a ela, mundo que assistiu a outro conflito gigantesco (a guerra de 1939 a 1945), a divisão do planeta em duas áreas antagônica durante a chamada “guerra fria”, opondo as nações capitalistas (o “Ocidente”, formado pelos EUA e Europa Ocidental) ao bloco socialista liderado pela URSS, e mesmo o mundo moderno no qual, cem anos depois, o imperialismo tenta, a um custo bárbaro e brutal, submeter os povos e conter sua luta pela superação e ultrapassagem do sistema capitalista.

Neste sentido, guerra e revolução são dimensões da luta de classes que ficaram unidas desde 1914.

Referências
Barraclough, Geoffrey. “Adolf Hitler, ex-mito”. In Cadernos de Opinião. Nº 1, Rio de Janeiro, 1975.
Hobsbawm, Eric. Era dos extremos – O breve século 20 -1914-1991. São Paulo, Cia das Letras, 1995.
Hobsbawm, Eric. História do Marxismo. Vol. VI. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1985.
Hajek, Micos. “A discussão sobre a frente única e a revolução abortada na Alemanha”. In Hobsbawm: 1985.
Lênin, V. I. “A Guerra e a Social Democracia na Rússia”. In Lênin, V. I. Obras Escolhidas, T. 1. São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1979.
Loureiro, Isabel. A revolução alemã (1918-1923). São Paulo, Editora UNESP, 2005
Marx, Karl, O Capital. Vol. 1. México DF, Fundo de Cultura Económica, 1978 (Cap. VIII, Item 6).
Mayer, Arno, A força da tradição. São Paulo, Cia das Letras. 1987. Ver também Mayer, Arno. Dinâmica da contra revolução na Europa, 1870-1956. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977.

Publicado originalmente em Princípios, nº 132, ago/set de 2014