Vitória do Estado de Direito sobre o Estado de exceção

A ousadia da juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, de mandar transferir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para São Paulo, foi um comportamento típico do Estado de exceção estabelecido pela Operação Lava Jato. Ela levou a exceção tão ao extremo que a medida despertou pronta resposta de um amplo espectro de forças ideológicas. Além de manifestar reprovação ao ato vil, esse leque político diversificado foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de justiça, do cumprimento aos preceitos elementares da Constituição.

Este, por sua vez, também respondeu com agilidade, sem procrastinar uma decisão tão importante. Na verdade, houve um enérgico pronunciamento da ordem democrática, o restabelecimento de um direito que a juíza de Curitiba ousou pisotear. O acinte contra Lula foi, antes de tudo, um ataque ao Estado Democrático de Direito. Estava em questão a dicotomia que se formou no país desde que a Operação Lava Jato, invocando poderes não delegados pela institucionalidade do país, entrou na cena política afrontando a legalidade democrática.

A resposta imediata desse largo espectro político ao mais recente desmando da chamada “República de Curitiba” sinaliza que o campo democrático vai se ampliando. É evidente que as revelações do site The Intercept Brasil e de seus aliados deram grande contribuição para essa resposta, mas o determinante é que já está claro para amplos setores ideológicos que o Brasil entrou num processo político que ameaça os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Isso tem graves implicações. Os setores que se levantam contra as arbitrariedades lavajatistas sabem que a demonização da política é uma das partes constituintes do projeto de poder da extrema direita. Sem os canais de manifestação que só o exercício político pode proporcionar, o que resta é a prepotência e o arbítrio. Não são poucos os exemplos de comportamentos da Lava Jato e do governo Bolsonaro que mostram essa tendência de maneira nítida.

Além dessa constatação, o ensinamento mais importante desse episódio é que a situação política no Brasil chegou a um elevado grau de complexidade. Nesse mar de contradições, cada passo que se dá hoje terá consequências profundas amanhã ou depois. Identificar bem quem são os alvos a serem combatidos é uma imposição aos que estão imbuídos da tarefa de restabelecer o pleno exercício do Estado Democrático de Direito. Aqui está o ponto essencial. Com a ordem democrática regendo a vida do país, todos os demais problemas podem ser resolvidos num ambiente de tolerância e respeito às diferenças.

Essa premissa leva à conclusão de que a principal questão posta como desafio para o campo democrático e patriótico é o avanço da extrema direita. Contê-la é a grande tarefa que se impõe. E isso só é possível com a tática da sagacidade política, do exercício da tolerância e da lógica da amplitude. Em todos os momentos da história em que as encruzilhadas apresentaram como alternativas o autoritarismo e a democracia, a união de amplas forças foi a solução. No Brasil, o exemplo mais recente foi o grande movimento popular que enterrou o regime ditatorial de 1964.

Os acontecimentos da quarta-feira (7) evidenciam que o Brasil está diante de mais uma encruzilhada. À medida que a extrema direita avança, o campo democrático vai se coesionando e ganhando forças. Como disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da Minoria na Câmara dos Deputados, há muitos anos não se via uma posição tão afinada em torno da democracia no parlamento brasileiro. "Independente das divergências que tenhamos, a democracia é mais importante", diagnosticou ela.