Vitória do Brasil e da Bolívia no acordo do gás

O acordo da noite de sábado (28) entre a Petrobras e a YPFB — a renascida estatal boliviana do petróleo e gás — foi festejado tanto na Bolívia como no Brasil. Qualificado de “correto” pelo presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, ele é o primeiro passo para reequacionar a atuação da maior empresa brasileira, após a nacionalização dos hidrocarbonetos pelo presidente Evo Morales.


Resumo da ópera: um final, ou um encaminhamento, feliz. E mais uma derrota dos que, como o candidato derrotado Geraldo Alckmin (PSDB-PFL), acusavam o governo Lula de “fraco” e “covarde” no tratamento da questão.


No primeiro debate Lula-Alckmin, em 8 de outubro, foi o tucano que introduziu o tema Bolívia. No último, dia 27, foi de Lula a iniciativa. A inversão indica um deslocamento da opinião pública brasileira, no sentido da compreensão e da generosidade.


Os brasileiros entenderam quando Lula, com os braços abertos, um gesto de ombro e o olhar no telespectador, lembrou que “desagradável é fazer bravata com a Bolívia, país muito pobre, que só tem o gás”.


O país andino, que era a mina de prata do mundo há 400 anos, e o dono do estanho há 50, permanece o mais pobre da América do Sul. No ano passado seu PIB (Produto Interno Bruto) foi de US$ 9,7 bilhões, 64 vezes menor que o do Brasil, um pouco menor que os US$ 10,9 bilhões/ano dos investimentos previstos pela Petrobras até 2010. O PIB por habitante foi de US$ 2.900, um terço do brasileiro e um pouco menor que o de Alagoas.


Evo Morales elegeu-se presidente da Bolívia, há dez meses, com a promessa solene de nacionalizar o petróleo e o gás para tirar o país e seu povo dessa situação. Empossado, cumpriu a promessa em maio. Deu seis meses para negociar com as empresas estrangeiras os novos termos da parceria, bem distintos dos estabelecidos nos estabelecidos no governo vende-pátria de Sánchez de Lozada, mas mutuamente vantajosos. As negociações redundaram em acordos com todas as empresas, o último deles com a Petrobras. É um grande passo para a Bolívia, que só pode alegrar o país.


O acordo do sábado diz respeito ao novo status da Petrobras Bolívia, aos impostos que esta pagará e à relação com a YPFB. Permanecem em negociação outros temas, como o funcionamento das refinarias e o preço do gás vendido ao Brasil. É natural que haja interesses e posições conflitantes: se não, a negociação seria supérflua. É natural também que a Bolívia tenda a elevar o preço do gás — aliás como tem ocorrido com todos os derivados de petróleo no mundo.


O que não poderia ocorrer seria que — aí sim, por cegueira ideológica na pior acepção da palavra — o governo brasileiro adotasse a postura escoiceante que o candidato conservador e certos editoriais da mídia dominante pregaram nos últimos meses. Sabiamente, o eleitor brasileiro removeu este risco no domingo. Ainda bem.