Virgínia Tech: “eu contra o resto do mundo”

O ataque promovido pelo estudante sul-coreano Cho Seung-hui contra professores e colegas na Universidade Virgínia Tech, nos EUA, no qual matou 32 pessoas antes de suicidar-se, reabre de maneira sangrenta o debate sobre a necessidade de controle do comércio de armas.



Todos os sinais apontam para graves perturbações mentais sofridas pelo estudante. Mas acontecimentos graves dessa natureza, e que se reiteram naquele país, de tempos em tempos, mostram também a existência de graves problemas sociais, dos quais atiradores amalucados são apenas a ponta do imenso iceberg constituído por uma cultura da violência que, dia a dia, a indústria cultural – principalmente o cinema e a televisão -amplificam.



Os dados divulgados pelo jornalista David Brooks, em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, um dia após aquele grave incidente, são estarrecedores. Eles mostram que, nos EUA, morrem – por ano – 30 mil pessoas vítimas de armas de fogo. É uma média diária de 81 pessoas, ou uma morte a cada 18 minutos. Informações oficiais do governo norte-americano mostram que, nos últimos cinco anos (os números mais recentes são de 2004) mais de 148 mil pessoas foram mortas por armas de fogo, entre elas 14.500 menores de idade. A média, entre os jovens, é de um morto a cada três horas. Por tiro. E que torna os EUA campeoníssimos neste ítem: a taxa de morte por balas, entre menores de 15 anos, é quase 12 vezes maior do que a soma de todos os outros 25 países industrializados juntos. Entre os feridos, os números também são alarmantes: só em 2005 foram 69.825, ou mais de 191 por dia.



É uma cultura da violência com uma base social tipo velho oeste: quase metade das residências norte-americanas (39% do total) tem pelo menos uma arma de fogo; no país todo, existem 200 milhões de armas; por ano, são vendidas entre 3 a 4 milhões de armas, com pouco ou nenhum controle oficial.



O massacre da Virgínia Tech ocorreu apenas quatro dias antes do oitavo aniversário da tragédia da escola de Columbine, Colorado, onde alunos foram mortos por atiradores; ou seis meses depois da morte de cinco meninas em uma escola rural  Amish. Mesmo assim, não cresceu o controle sobre as armas; ao contrário, tanto o governo federal quanto governos federais tem facilitado o comércio de armas de fogo. Desde a tragédia de Columbine, denuncia a organização New Yorkers Against Gun Violence “ficou mais fácil obter armas”.



Este é um sintoma da grave enfermidade social que acomete a nação norte-americana, onde cresce o culto da violência e o porte e aquisição de armas foi transformado em um direito sagrado e inviolável do cidadão, uma chaga que setores conservadores da sociedade brasileira insistem em trazer para cá, como ficou evidente no debate em torno do plebiscito sobre o controle e venda de armas de fogo, realizado em outubro de 2005, e que a direita conseguiu vencer usando argumentos semelhantes, que apelaram por um mal compreendido e ilusório “direito individual”.



“Direito individual” cujo extremo foi traduzido, de forma pungente, na atitude “eu contra o resto do mundo” (como diz o jornalista norte-americano Pete Williams a respeito da tragédia da Virgínia) dos meninos de Columbine, do sul coreano Cho e de tantos outros atiradores norte-americanos que fazem daquele país o campeão mundial de mortos por armas de fogo. E que tem, no presidente George Bush Jr uma de suas mais visíveis vitrines, comandando uma ação agressiva semelhante contra os demais povos e países.