Um ministério para a continuidade e o avanço

Quando Tancredo Neves foi eleito presidente da República, em 1985, usou-se a expressão “engenharia política” para designar seu esforço por construir um ministério que, assegurando a manutenção do grande acordo nacional pela transição democrática, fosse também a garantia das mudanças ansiadas pelos brasileiros.

A expressão “engenharia política” pode também ser aplicada à formação do ministério de Dilma Rousseff, mas com outro significado: os nomes que o compõem foram escolhidos para, assegurando a continuidade que o país anseia, indicar a disposição de avançar nas mudanças. Continuidade e avanço nas mudanças que foram compromissos de campanha da presidente eleita.

Nesse sentido, é o ministério da continuidade. Sua formação contou com a colaboração do presidente Lula, em fim de mandato, e isso não é uma interferência indevida no mandato de sua sucessora mas indica justamente a continuidade. E é natural que, partícipes do mesmo projeto político que dirige o país desde 1º de janeiro de 2003, ocorra uma troca de experiências , e não de preferências pessoais, na escolha dos novos ministros.

O ministério contempla também o amplo acordo político que se formou para eleger Dilma Rousseff, embora haja uma nítida predominância de um dos partidos da aliança, o Partido dos Trabalhadores, que ficou com 17 ministérios (os principais, aliás). O PMDB, com seis, numa bancada onde figuram alguns nomes de trajetória fortemente marcada por um passado que os brasileiros querem superar (como, por exemplo, os titulares da Previdência, do Turismo ou dos Assuntos Estratégicos) e o nome no mínimo polêmico do ministro Nelson Jobim, da Defesa, um semi-tucano flagrado pelo WikiLeaks fazendo confidências descabidas sobre seus colegas de ministério a diplomatas norte-americanos. O terceiro contemplado foi o PSB, com dois ministérios. Aos demais partidos (PR,PDT, PCDOB e PP) coube um ministério cada, enquanto oito ministros não tem filiação partidária.

Há alguns destaques. O primeiro deles foi o esforço da presidente em compor um ministério feminino – são nove mulheres entre os 37 ministros, um dado que precisa ser comemorado. Pela primeira vez há um número tão grande de mulheres indicadas não pelo fato de serem mulheres mas por serem administradoras e dirigentes políticas reconhecidamente competentes e capazes em suas áreas. Como os demais ministros, cada uma em sua áreas, elas terão pela frente a tarefa árdua de administrar uma nação continente.

O outro destaque é a combinação entre continuidade e mudança. Talvez o sinal mais nítido neste sentido seja a substituição à frente do Banco Central de um titular ligado ao “mercado”, Henrique Meirelles, por um funcionário de carreira da instituição, Alexandre Tombini. É a primeira vez que isso ocorre em décadas e um prenúncio de que a presidente pretende ter, sobre o Banco Central, a mesma ascendência hierárquica que a lei lhe dá sobre os demais ministros, embora garantindo a mesma margem de autonomia funcional mantida até agora. No outro polo, a reincorporação de Antonio Palocci ao ministério, embora numa função política e não econômica (a chefia da Casa Civil) pode significar uma ponta de continuidade com marca mais conservadora e economicamente ortodoxa.

Este é o time que vai governar com Dilma. A imprensa conservadora exagera a interferência de Lula, uma maneira de já iniciar o governo batendo na presidente e em seus auxiliares diretos. O ministério exprime o compromisso de continuidade e mudança e as forças políticas que fizeram a campanha de Dilma. Sendo o mesmo time de Lula, do qual Dilma foi uma espécie de capitã, não se pode estranhar a manutenção de nomes como Guido Mantega, Gilberto Carvalho. Nem mesmo a reincorporação de Antonio Palocci, ou a permanência por mais um período de Nelson Jobim, que representam parte das contradições existentes no seio das forças que apoiam e fazem parte do projeto vitorioso desde 2002.

Eles vão assumir sob enorme expetativa popular – 83% da população espera que o governo de Dilma seja igual ou melhor do que o de Lula. É a segunda maior expetativa desde a eleição de Tancredo Neves, em 1985 e isso define o tamanho da responsabilidade do novo governo, que tem todas as condições para corresponder a ela. Boa sorte aos ministros e à presidente!