Um 8 de Março de luta e de luto, em defesa da vida

É sob a sombra dos múltiplos impactos da pandemia de Covid-19 que, no Brasil e no mundo, celebramos nesta segunda-feira (8) o Dia Internacional da Mulher. Por causa do distanciamento social, movimentos e entidades feministas tiveram de adaptar as manifestações. Em vez dos massivos protestos que costumam tomar as ruas das capitais e das grandes cidades brasileiras a cada 8 de Março, a programação deste ano é marcada por eventos virtuais e ações de conscientização, com respeito aos protocolos sanitários.

As mudanças na programação não se resumem à forma. Em 2019 e 2020, além das tradicionais bandeiras feministas de luta, as mulheres já haviam incorporado à pauta do 8 de Março a denúncia do governo autoritário, neoliberal, antipovo e misógino de Jair Bolsonaro. Com razão, a data se tornou ainda mais politizada. Já sabíamos, todos e todas, que não era possível avançar na luta pela emancipação das mulheres e pela igualdade de gênero sem antes enfrentar e vencer o bolsonarismo.

Mas, até o último 8 de Março, a Covid-19 ainda não estava presente na realidade brasileira. O país registrava poucos casos e ainda não havia perdido uma única vida sequer em decorrência do novo coronavírus. A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) só veio a declarar três dias depois, em 11 de março de 2020, que o mundo estava vivendo uma pandemia. Havia apenas 121,5 mil casos de Covid contabilizados em todo o Planeta. (Hoje, só o Brasil tem uma média diária de 67.061 novos infectados.)

Tratada de forma negligente e negacionista pelo governo, a pandemia desnudou de vez a política genocida de Bolsonaro, que é o responsável direto pela dimensão da crise sanitária – e humanitária – no País. Até este domingo (7), 11 milhões de brasileiros foram contaminados com o novo coronavírus e mais de 265 mil morreram. Com novas variantes do vírus em circulação, a doença mata hoje, em média, 1.497 brasileiros por dia. Enquanto isso, menos de 4% da população brasileira foi vacinada. O próprio Ministério da Saúde reconhece que o País pode atingir, até o final do mês, a marca de 3 mil mortes diárias, a maior do mundo.

Para piorar, as respostas insuficientes e tardias do governo agravaram a crise econômica e social, levaram o Brasil à recessão, provocaram recordes sucessivos de desemprego e estão levando milhões de famílias à miséria. A rigor, apesar da retórica pró-mercado, Bolsonaro não protegeu nem a vida, nem a economia.

As mulheres aparecem como as mais afetadas por esta nova realidade, numa espécie de círculo vicioso que se expressa por várias frentes. Do final de 2019 para o final de 2020, por exemplo, 8,5 milhões de trabalhadoras perderam o emprego, conforme a Pnad Contínua, do IBGE. Só no trabalho doméstico, com mão de obra majoritariamente feminina, houve mais de 1,7 milhões de demissões.

A paralisação dos setores de turismo e lazer também prejudicou particularmente as mulheres, que são maioria em segmentos como hotelaria e alimentação. Pela primeira vez na série histórica, mais da metade das trabalhadoras está inativa. Entre as que mantiveram o emprego, a situação também é crítica. O índice de acidentes de trabalho, incluindo acidentes fatais, cresceu mais entre as mulheres, especialmente aquelas que estão na linha de frente dos sistemas de saúde.

Com ou sem emprego, a sobrecarga feminina – a dupla ou tripla jornada – aumentou. É o que a ONU Mulheres chama de “trabalho de cuidado não remunerado, não reconhecido e subvalorizado”. Muito embora já respondessem por tarefas junto a parentes, idosos e até vizinhos, as mulheres também tiveram de dedicar mais tempo aos cuidados dos filhos, uma vez que as escolas estão fechadas.

Por fim, com o isolamento social, as mulheres passaram a sofrer mais agressões em casa. A violência doméstica cresceu na mesma proporção em que as mulheres passaram a ter dificuldades maiores para denunciar seus agressores ou recorrer a redes de apoio. Delegacias de mulheres, centros de atendimento e abrigos tiveram horários de funcionamento adaptados – muitos equipamentos chegaram a fechar as portas de vez. Por consequência, os índices de feminicídio também se elevaram.

Este é, portanto, um 8 de Março de luta, como os anteriores – mas também um 8 de Março de luto, numa dimensão que nunca tivemos no Brasil. Luto pelas mulheres que já são historicamente abatidas pela cultura do patriarcado e pelo machismo estrutural – mas que agora são igualmente vítimas da pandemia e do bolsonarismo.

É um 8 de Março para defender, antes de tudo, a vida. Que haja Vacina Já para toda a população, mas prioritariamente para profissionais da saúde e de serviços essenciais, além de cuidadores e cuidadoras. Que o auxílio emergencial seja retomado com parcelas de R$ 600, para fazer frente ao desemprego e à inflação dos alimentos e de outros itens da cesta básica. Superar a pandemia e derrotar Bolsonaro são as premissas da hora nesta histórica luta pela emancipação das mulheres.