Tirando o lanche das crianças

A lista dos males da privatização do Estado e da terceirização dos serviços públicos cresceu nos últimos dias. Denúncias que envolvem irregularidades na merenda escolar, feitas pela Folha de S. Paulo e pelo Jornal Nacional, acrescentaram mais um ítem neste rol de malvesações que prejudicam a população e ajudam a enriquecer empresários de poucos escrúpulos.



Segundo a denúncia, o representante da empresa SP Alimentação teria oferecido 300 mil reais a uma prefeitura no Rio Grande do Sul, para ganhar a licitação da venda de merenda escolar para escolar públicas. O próprio edital de licitação seria elaborado pela empresa, que também prometia ajuda na campanha eleitoral no ano que vem.
Há inclusive indícios da formação de um cartel da merenda escolar. Uma ex-representante de um Conselho Municipal de Alimentação Escolar, que não se identificou, denunciou a existência de um acordo entre grandes empresas para dividir os contratos. De oito empresas que haviam retirado o convite para participar da licitação, disse ela, apenas uma se apresentou.



No Rio Grande do Sul, uma das acusações é de superfaturamento da merenda escolar desde que a merenda foi terceirizada. Segundo o vereador Adilpio Zandonai (PT), de Sapucaia do Sul, em 2004, quando era municipalizada, o custo da merenda era de R$ 0,61. Em 2005, pulou para R$ 1,25 e no ano seguinte pulou pra R$ 1,65. Isto é, aumentou 125% no primeiro ano e 165% no segundo. Além do Rio Grande do Sul, existem suspeitas contra empresas em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Alagoas.



Em São Paulo, uma investigação do Conselho de Administração Escolar (CAE) descobriu que a empresa Nutriplus, que fornece merenda escolar para escolas do município, teria prometido um bônus de 40 reais para cozinheiras que economizassem no fornecimento de refeições para as crianças. A empresas fornece merenda para 158 escolar municipais. No total, em 2006, a prefeitura paulistana gastou 169 milhões com a alimentação dos alunos da rede pública. As denúncias contra a Nutriplus chegam a situações grotescas, como a recomendação de misturar água no molho de tomate, para render mais. Misturar legumes com carne de frango desfiada, para gastar menos carne. Colocar meia salsicha em cada refeição. E entregar meia maçã para cada criança, ao invés de uma maçã inteira. Com isso, a empresa chega a economizar até 50% no fornecimento de alimentos para as crianças.



Mas os gastos da prefeitura com a merenda aumentaram – em 2006, a média mensal era de 14 milhões, envolvendo todas as escolas; este ano, é de 18 milhões só nas 849 escolas onde o serviço é terceirizado (59% do total das escolas do município de São Paulo).



A terceirização foi feita a pretexto de economia do gasto público e da incapacidade dos governos para fornecer funcionários e equipamentos para a prestação dos serviços públicos. Entretanto, como mostrou a investigação do CAE, agentes scolares eram usados para a preparação e distribuição da merenda, operações que deveriam ser realizadas por funcionários das empresas contratadas.



Há mais do que o aspecto humano envolvido nestas denúncias. Elas escancaram também o sentido da privatização e da terceirização que, anunciados como medidas para aperfeiçoar a gestão, na verdade são instrumentos da ganância empresarial. E revelam um aspecto cruel da Lei de Responsabilidade Fiscal, imposta pelo modelo neoliberal e que tem conseqüências funestas para os serviços prestados à população. Como a lei fixa um limite para os gastos com os salários dos funcionários, os governos – em todos os níveis – recorrem à terceirização, como saída para manter os serviços sem onerar sua folha de pagamentos. Abre, assim, uma brecha gigantesca para irregularidades como as que foram denunciadas sobre a merenda escolar. Para ganhar mais, as empresas chegam, mostra o noticiário, a tirar o lanche das crianças que, muitas vezes, tem na merenda escolar a única refeição do dia.