Sapatos criam ícone do fim da era Bush

Em um século onde a imagem se impôs como ponta de lança todo-poderosa das comunicações humanas, pelo sim e pelo não, via TV, internet e celulares, já se pode supoor qual será o ícone do fim dos oito anos de George Walker Bush na Casa Branca: um homem atônito em Bagdá, alvo da ira do jornalista iraquiano Muntadhar al-Zaidi, que o chama de ''cão'' e atira-lhe os sapatos – no mundo árabe um gesto de repulsa e desdém.


 


Bush agachou-se a tempo de evitar as sapatadas, mas sua presença de espírito pára aí. Certamente não o ajuda a entender o país que visitou pela quarta vez em já lá vão seis anos de agressão e ocupação. No Iraque onde ele asseverou que vai ''ganhar a guerra'', possivelmente não se encontrará uma só pessoa que lhe dê crédito.
 


Os 150 mil soldados da tropa de ocupação americana (além dos mais de 100 mil mercenários de empresas de segurança dos EUA que lá atuam como ''forças auxiliares''), e seus aliados remanescentes, fingem que dominam a resistência iraquiana. Esta finge que combate mas na verdade reduziu suas ações e poupa forças, à espreita. E o governo do primeiro ministro Nouri al-Maliki finge ser um fantoche dos ocupantes e chama Bush de  ''grande amigo do povo iraquiano, que nos ajudou a libertar o nosso país'', enquanto se afina com o Irã – listado por Washington no ''Eixo do Mal'' antiimperialista –, corta as asas do invasor impondo-lhe um calendário de retirada e conta os dias em que se livrará dos ''libertadores''. Enquanto isso, todos esperam que Barack Obama tome posse e cumpra a promessa que fez sua campanha decolar: sair do Iraque.


 


Nesse cenário esquivo, o gesto de al-Zaidi arrasta multidões para as ruas, no Iraque e no exterior, atrai homenagens e simpatias porque tem a força das verdades profundas e dos sentimentos partilhados por vastas maiorias. ''Milhões de iraquianos ou talvez milhões de pessoas no mundo inteiro gostariam de ter feito o que Muntadhar fez'', comentou Uday al-Zeidi, irmão do jornalista patriota, ameaçado de ser punido, pelo seu gesto, por no mínimo dois anos de cárcere.
 


Quanto a Bush, não é a primeira vez que seus reflexos lhe pregam uma peça. Na mais célebre, fixada no documentário Fahrenheit 9/11, ele levou sete minutos do dia 11 de setembro de 2001 lendo uma historieta para crianças, depois que o informaram do atentado contra as torres gêmeas em Nova York.
 


Dentro de um mês, em 20 de janeiro, George W. Bush se irá. A data representará bem mais que a despedida de um personagem bisonho e torpe, ou do presidente mais rejeitado entre os 43 que já passaram pelo cargo. Encerrará oito anos do governo mais à direita que já se instalou em uma grande potência desde a queda de Adolf Hitler e seu Terceiro Reich. Concluirá também três décadas (desde a posse de Ronald Reagan em 1981) de predomínio ultradireitista e neoconservador em Washington.
 


O que virá com Obama? Abundam as expectativas, previsões e ilusões, bem como os ceticismos e suspições. Dada a trajetória dos EUA no último século e pico, e não poucos movimentos do presidente eleito desde a vitória de novembro, convém que se modere as esperanças. Porém por mais decepções que traga Barack sempre terá a seu favor o confronto com o antecessor, cujo adeus ganhou mais simbolismo e ênfase graças ''beixo de despedida'' e aos sapatos de Muntadhar al-Zaidi.