Queda de juros cortou R$ 50 bi na agiotagem


O tsunami da crise capitalista, que aniquila empregos e achata salários no Brasil, ao menos teve o mérito de despertar o Banco Central de sua modorra neoliberal. Mesmo com atraso e lentidão de paquiderme, o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC já reduziu a taxa de juros Selic de 13,75% para 10,25% este ano. Há esperanças de novo corte na reunião de 10 de junho, quem sabe para 9%. O Estado de S. Paulo desta segunda-feira constata o desafogo na manchete: ''Queda de juros poupa até R$ 50 bi das contas oficiais''.  R$ 50 bi! Façamos algumas contas ao gosto da mídia do tipo Estadão: é uma soma igual a 393 vezes o valor do ''Mensalão'', estimado em R$ 127 milhões; ou 562 vezes a verba da Câmara para passagens que era de R$ 89 milhões antes do corte deste mês, no penúltimo escândalo da moda.


A matéria do jornal não tem como esconder que a queda dos juros é ''há anos uma demanda da sociedade''. Mas destaca logo na capa que ela causa ''insatisfação entre investidores''. Sim: amainando a agiotagem, ganham os cofres públicos, mas deixam de ganhar os agiotas. O Estadão quase lamenta que a ''cifra bilionária deixará de engordar as contas bancárias dos detentores de títulos da dívida governamental''.
 


O jornal ouve um dos representantes dessa gente, Gustavo Loyola, ex-presidente do BC sob Fernando Collor e Fernando Henrique, além dos costumeiros vínculos promíscuos com a banca privada. E Loyola logo avança propostas como acabar com a (TJLP Taxa de Juros de Longo Prazo, menos alta que a Selic) e ''arrumar'', quer dizer, cortar, a tributação do mercado financeiro. Já se vê que essa gente não desiste de reaver o paraíso perdido.


 


A enorme maioria dos brasileiros, formada não por agiotas mas por vítimas da agiotagem, gente que vive do trabalho e da produção,  tira outras conclusões da informação. Se o estancamento ainda parcial da sangria dos cofres públicos poupará R$ 50 bi só este ano, quanto não terá sido sugado em mais de uma década de juros ainda piores?
 


O dinheiro que não for para os juros irá para o PAC, outros investimentos públicos, programas sociais, estimulando a produção e o consumo. Permitirá também um câmbio mais favorável à exportação. Reduzirá a necessidade do superávit primário – dinheiro público reservado justamente para os agiotas, que até recentemente subia a obscenos 3,8% do PIB, e hoje está em ainda indecentes 2,5%, quando os governos do mundo inteiro trabalham com déficits para dar combate à recessão.
 


Estes são os caminhos possíveis para o Brasil voltar a crescer – depois de uma recessão técnica que já se anuncia inevitável, com o tombo do último trimestre de 2008 e o resultado ainda não divulgado mas com certeza também negativo do primeiro trimestre deste ano. Quem vive de juros, que trate de viver da produção e do trabalho.
 


È assim que a crise pode se revelar ao final como uma oportunidade estratégica. Foi aliás o que aconteceu com a Grande Depressão de 1929, habilmente aproveitada pelo Brasil de Getúlio Vargas para impulsionar a industrialização e entrar afinal no século 20. A condição preliminar é livrar-se, antes tarde do que nunca, do peso morto dos ''fundamentos'' macroeconômicos deixados pelo neoliberalismo.