Qual é a ''classe média'' que cresce no Brasil?

A comemoração das boas notícias sociais no Brasil aumentou depois da publicação, dia 5, do estudo ''A Nova Classe Média'', coordenado pelo pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base em dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Ele mostra o crescimento da chamada classe média que, hoje, formaria mais da metade da população brasileira.



O critério usual em estudos dessa natureza pode gerar confusão a respeito do que se considera uma classe social. Ele divide a população em faixas de renda – A, B, C, D e E -, que a mídia chama de ''classes''. O estudo considerou como classe E as famílias com renda entre zero e R$ 768; como classe D aquelas que ganham R$ 768 e R$ 1.064 – estes são os contingentes mais pobres, que diminuíram de tamanho. A saudada nova ''classe'' C tem renda familiar entre R$ 1.064 e R$ 4.591, enquanto a chamada elite (as faixas A e B) ganham acima de R$ 4.591. O aumento da faixa C (que hoje tem 52% da população) reflete, segundo Neri, o crescimento econômico, a melhoria na renda dos trabalhadores, e o aumento do emprego formal, com carteira assinada. Só no primeiro semestre de 2008 foram 1,361 milhão de novos empregos, podendo chegar a dois milhões no ano, ritmo que confirma o desempenho do governo Lula e reflete a retomada do crescimento da economia.



As comemorações incluem um conjunto variado de setores, desde áreas do governo federal, a empresários e parte da mídia. Por razões variadas.



Para o governo, seria a demonstração do acerto da política social que tirou milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.



Para alguns ideólogos da mídia, a consolidação de uma classe média seria uma espécie de colchão de proteção para o status quo que, pensam, seria uma garantia histórica contra ''aventuras'' anticapitalistas. É o que pensa a revista Época, por exemplo, quando escreve que a ''sociedade que conhecemos hoje, baseada em princípios como democracia e livre mercado (isto é, o capitalismo – nota da redação) é, em larga medida, uma extensão dos valores e das formas de organização social e urbana'' que vem desde o século XIX, quando a classe média se consolidou na Inglaterra.



Os empresários, por sua vez, valorizam a perspectiva de um novo e grande mercado consumidor, que exige novos produtos e serviços e, agora, tem como pagar por ele, ampliando a perspectiva de lucro.



A análise do governo e dos empresários tem um ponto de apoio concreto. O crescimento da capacidade de consumo da população, resultado da melhoria das condições de vida e de renda dos trabalhadores, aponta também para o fortalecimento do mercado interno e para a possibilidade de um desenvolvimento que vai, aos poucos, amparando-se no atendimento às necessidades dos brasileiros. E isto é positivo.



Mas há também um certo exagero quando se sugere, no noticiário, que esta suave melhora na renda pode significar uma mudança na estrutura social. Ele resulta de um problema conceitual sobrre o que seja uma classe social. Na verdade, o estudo revela a alteração na distribuição de renda, que tira contingentes das camadas de ganho mais baixo (as faixas D e E), elevando-as para a faixa C, de renda intermediária que, em 2002 compreendia 44% da população e hoje chega a 52%. Isto é, os dados se referem à renda salarial e revelam o fortalecimento da capacidade de consumo dessa parcela da população, mas não uma mudança na estrutura social.



As classes sociais não são definidas pela renda e pela capacidade de consumo, mas por outro conjunto de fatores onde se destacam a posição na produção (como patrões ou empregados) e a posse dos meios de produção (das fábricas, equipamentos, matérias primas e da terra).



No Brasil, essa posse continua concentrada, como sempre. Só dois exemplos. Um mostra que apenas 15 mil famílias são donas de 80% dos títulos da dívida do governo federal. O outro dá a perspectiva histórica dessa concentração: em 1872, diz o economista Marcio Pochmann, 23 mil famílias (1,8% do total) eram donas de 66% de toda a propriedade existente no país. Em 2000, mais de um século depois, cinco mil famílias (0,001% do total!) eram donas de mais de 40% do PIB.



Assim, de um ponto de vista conceitualmente mais correto, a redistribuição de renda indicada pela análise dos salários mostra que muitos brasileiros passaram da pobreza para uma faixa de consumo mais elevada. Mas isso não alterou o acesso à propriedade, que permanece escandalosamente concentrada. E também indica que a estrutura de classes continua a mesma, oponto de um lado um crescente contingente de pessoas que, destituídas dos meios de produção, são donas apenas de sua força de trabalho, sendo obrigadas, para poder sobreviver, a vendê-la para um grupo cada vez menor de privilegiados que controlam o capital e a propriedade.