Protecionismo, o apelo de um império em declínio

O Senado dos EUA começou a debater um projeto de lei bipartidário que confere à Casa Branca o poder de decretar sanções comerciais contra países que, de acordo com o julgamento de Washington, recorrem à manipulação cambial para ganhar competitividade e proteger sua indústria.

O alvo é a China, que resiste à pressão internacional para deixar sua moeda flutuar livremente ao sabor das forças de mercado e mantém as cotações do yuan sob rigoroso controle. Em Pequim, o governo captou a mensagem e reagiu com firmeza, expressando “firme rejeição” à iniciativa e alertando que ela "pode conduzir a uma guerra comercial a que não queremos assistir".

Em 2010, os EUA registraram um déficit comercial com a China de US$ 273 bilhões. Os congressistas justificam o reforço do protecionismo pretextando a necessidade de corrigir o formidável desequilíbrio implícito no intercâmbio comercial e financeiro dos EUA com o mundo, especialmente nas relações com a Ásia, apontado por alguns economistas como a raiz da crise mundial.

Não é possível negar que o rombo na conta de mercadorias, embora essencial à realização do capital proveniente de muitos países, é um problema sério para o império. Mas o déficit, que originou a dívida externa e uma alarmante necessidade de financiamento externo, vem de longe e não pode ser atribuído à competitividade chinesa.

Começou nos anos 1960 (com Japão e Alemanha) e se transformou em fenômeno crônico e geral a partir de 1971, coincidindo com o fim do padrão dólar-ouro. Desde então, ano a ano, os estadunidenses cultivam despreocupadamente a cultura de consumir além da própria renda que amealham, vivendo no início à custa dos lucros extraídos pelos seus monopólios e, posteriormente, à base do fiado. Os primeiros beneficiários deste vício foram Alemanha e Japão, até o final dos anos 1980; a China veio depois.

É este parasitismo que arrasta o império ao caminho da decadência e decomposição. Em sua origem, reside a carência de poupança, que está refletida no déficit em conta corrente, traduz a baixa taxa de acumulação interna de capitais e explica a perda de competitividade das exportações e acentuada desindustrialização da economia. Ainda que se queira apresentar tal realidade (a perda da importância relativa da indústria) como uma tendência inexorável do capitalismo contemporâneo e mesmo sinal de progresso, na verdade, neste caso, é apenas um sintoma de decadência, assim como a ascensão chinesa encontra sua explicação no extraordinário crescimento da indústria.

O problema não é a China, como não foi o Japão ou a Alemanha no passado, e não será resolvido com medidas protecionistas. Conforme argumenta Ma Zhaoxu, porta-voz do Ministério do Exterior do país asiático, os EUA estão usando o câmbio como “desculpa” e o projeto que o Senado examina “viola regras da OMC e perturba seriamente as relações econômicas e comerciais sino-americanas". Não serão ações deste gênero, sustenta, que eliminarão os "verdadeiros" problemas dos EUA: um déficit comercial elevado, uma alta taxa de desemprego e escassez de poupança. Culpar os chineses é como tapar o sol com a peneira.

É necessário sublinhar que o jogo de interesses envolto na disputa não é guiado pela razão ou pelo bom senso. A reação dos EUA é própria de um império em declínio, que busca conter e se possível reverter a ascensão vertiginosa da nova potência asiática, hoje de longe a sua principal rival.

O protecionismo não é bom conselheiro das relações entre as nações e adiciona mais um ingrediente perturbador à crise mundial do capitalismo. É inevitável recordar que a Grande Depressão que atravessou os anos 1930 foi acompanhada pela multiplicação das medidas protecionistas, guerras cambiais e comerciais e conflitos crescentes entre as nações. O desfecho, em 1939, foi a tragédia de uma guerra que ceifou dezenas de milhões de vidas.