Proeza petroleira estatal

Os desdobramentos estratégicos do anúncio de que o campo Tupi, na Bacia de Santos, tem entre 5 e 8 bilhões de barris de reservas de petróleo e gás, ainda está sendo digerido. De imediato, chama a atenção que o gol de placa tecnológico seja da Petrobras, a grande estatal remanescente que os fundamentalistas neoliberais gostam de chamar ''Petrossauro'' (a autoria do apelido que diz tudo é atribuída a Roberto Campos).



Entre as possibilidades para a próxima década (o poço só entra em operação em 2011) está o ingresso do Brasil no fechado clube dos grandes produtores petrolíferos,  ''em algum lugar entre a Nigéria e a Venezuela'', conforme o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. O Brasil pode também se tornar exportador, e filiar-se à Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).



As projeções são imprecisas porque as reservas do Tupi são as primeiras prospectadas no ''pré-sal'' – abaixo da camada de sal que se estende pelas águas territoriais brasileiras, de Santa Catarina ao Espírito Santo, numa faixa com 800 por 200 km. Só Tupi significa um acréscimo de perto de 50% nas reservas brasileiras de petróleo, com a vantagem suplementar de ser óleo leve, de qualidade superior. Mas ninguém sabe se há outros Tupis ocultos sob a camada de sal.



A descoberta de Tupi é um feito tecnológico de primeira grandeza. A Petrobras é a recordista na extração de petróleo em águas profundas desde 2000, quando atingiu a marca dos 1.887 metros. Desde então mantém a dianteira: a jazida de Tupi está mais de 6 mil metros abaixo da superfície. Para tanto, a estatal destina 1% de sua renda bruta à pesquisa e desenvolvimento, em seu centro de estudos, o Cenpes, no Rio de Janeiro. Sem isso seria impensável explorar petróleo em tais profundidades, ou ter atingido, no ano passado, a auto-suficiência.



A proeza tecnológica da estatal brasileira constrangeu a mídia dominante a discretos resmungos contra o ''ufanismo'' e ironias sobre a sorte do presidente Lula. O próprio mercado, na busca cega do lucro, rendeu sua homenagem à Petrobras: em dois dias as ações da empresa na Bolsa de Valores de São Paulo tiveram alta de 16,44%. Seu valor internacional de mercado alcançou US$ 221,9 bilhões, ultrapassando gigantes como a Procter & Gamble, a Google, a Berkshire Hathaway e a Cisco Systems.



Um paralelo com a vizinha Argentina ajuda a esclarecer o que a descoberta de Tupi significa, em termos econômicos, tecnológicos, de soberania e viabilização de um projeto nacional. Enquanto o Brasil se debatia com os choques do petróleo e seus impactos bilionários no déficit comercial, a Argentina era auto-suficiente e exportadora, graças à sua YPF, uma das primeiras estatais petroleiras, fundada em 1922. Mas nos anos 90 ela foi privatizada  pelo governo Carlos Menem e abocanhada pela espanhola Repsol. Os investimentos em prospecção despencaram e hoje a Argentina está a pique de perder a auto-suficiência, a despeito dos esforços da Enarsa, nova estatal petroleira criada pelo governo Néstor Kirchner em 2004.



As boas notícias no front petrolífero, ao lado dos avanço dos biocombustíveis – etanol e biodiesel –, deixam o Brasil numa posição mais confortável face à questão energética. Com suas facetas econômicas, sociais, ambientais e geopolíticas, este é um dos maiores desafios da balança mundial de poderes neste início de século. Numerosos obstáculos por certo ainda virão nos próximos anos e décadas, mas o país acha-se em posição particularmente vantajosa para enfrentar o já anunciado fim da era dos combustíveis fósseis. Graças, em grande medida, à estatal remanescente que os neoliberais chamam ''Petrossauro''.