Os demotucanos e seus colegas da Bolívia

A oposição demotucana brasileira ganharia se meditasse sobre o que ocorreu neste domingo na Bolívia. Em sua soberba, ela pode se recusar a aprender de um pobre país andino de maioria indígena. Está perdendo uma oportunidade.

O MAS (Movimento Ao Socialismo) arrasou nas eleições de domingo. Não só reelegeu o presidente Evo Morales, como todos previam. Surpreendendo os observadores, bolivianos e estrangeiros, obteve mais de dois terços do parlamento (25 dos 36 senadores e 85 dos 130 deputados, segundo as projeções) e começou a implodir a “Meia Lua”, o bunker reacionário dos departamentos orientais. "Aqui não há nenhuma meia-lua, mas uma lua cheia, com a unidade do povo", disse Evo.

Cada país é um país, mas também é possível aprender com a experiência alheia. A Bolívia evidencia que uma força político-social oprimida, subjugada, discriminada e reprimida pode se transformar no seu oposto, quando sabe fazer as escolhas certas nos momentos críticos. E, ao revés, que uma elite dominante pode se desidratar, dividir e inviabilizar-se enquanto alternativa estratégica quando faz uma sequência de escolhas arrôneas.

A oposição direitista boliviana apostou no divórcio entre a “Meia Lua” e o país, no separatismo, no preconceito contra os indígenas e trabalhadores, no rechaço da Constituição aprovada democraticamente e, por fim, no ensaio golpista de agosto de agosto de 2008 e no Massacre de Pando em 17 de setembro daquele ano. O resultado evidenciou-se neste domingo.

Quando o mais votado (27%) e mais empedernido dos seis candidatos oposicionistas que enfrentaram Evo diz que fará "uma oposição construtiva" e "equilibrada", está se penitenciando por essas escolhas, ainda que não o confesse. Mas o estrago está feito.

O mesmo pode ser dito da oposição venezuelana a Hugo Chávez. O golpe fracassado de abril de 2002 foi a apoteose de uma sequência de erros estratégicos. Ela passou a década pagando por eles, e ainda está no prejuízo.

E a oposição brasileira ao presidente Lula?

Ela fez duas ofensivas gerais sobre o Planalto: em 2005, com o “Mensalão”; e na sequência de denúncias dos “aloprados” às vésperas da eleição de 2006. Fracassou em ambas. Mas mantém duas posições estratégicas: os governos de São Paulo (primeiro estado em PIB e população) e Minas Gerais (segundo em população e terceiro em PIB). Possui o PSDB e o DEM, que já foram os dois maiores partidos do país, sendo hoje o terceiro e o quarto, depois do PT e do PMDB. Contam ainda com uma forte conexão com os maiores veículos de comunicação, engajados numa campanha de desgaste do governo, centrada na “defesa da ética”.

No entanto, a julgar pelos últimos meses, a oposição brasileira parece estar emulando sua congênere boliviana em matéria de estratégia.

Os governadores paulista e mineiro, José Serra e Aécio Neves, dedicam-se basicamente a concorrer entre si pela indicação como candidato presidencial – embora também pairem dúvidas sobre o empenho presidencial real, sobretudo de Serra, que pode "amarelar", segundo expressão atribuida a Aécio.

A campanha de denúncias da mídia cresce como rabo de cavalo, para trás e para baixo. Em 2007, ainda conseguiu derrubar o presidente do Senado, aliado de Lula. Este ano, tentou repetir a façanha e frustrou-se. Os escândalos de corrupção do momento têm como alvo expoentes oposicionistas, o senador Eduardo Azeredo (PADB-MG) e o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do DEM.

Pior, a oposição perdeu o discurso. Sem plataforma, sem propostas, sem ousar atacar um presidente que é o mais popular entre todos os 33 que a República teve, agora ainda vê a “bandeira da ética” cair de suas mãos.

Caso a oposição brasileira se permita meditar sobre a cena boliviana, um calafrio há de percorrê-la, e segredar: É de ti que fala a fábula.