Obama e Cuba: a contagotas

O governo Barack Obama proclamou nesta segunda-feira (13) o fim da proibição de viajar a Cuba mais de uma vez a cada três anos e de remeter à Ilha mais de US$ 300 por trimestre. Também estuda uma abertura nas telecomunicações e a permissão de voos comerciais para Havana.



As medidas são uma inflexão na linha dura de George W. Bush. Mas permanecem dentro dos limites das oscilações do bipartidarismo americano: os governos democratas de Bill Clinton (1993-2001), e sobretudo Jimmy Carter (1977-1981) também aliviaram o bloqueio (que a grande mídia chama pudicamente ''embargo''), logo  arrochado quando um republicano chegava à Casa Branca.



O tom com que o pacote foi apresentado transpirou conservadorismo: um ''esforço para ajudar o desejo do povo cubano de ver uma mudança em Cuba'', e torná-lo ''menos dependente do regime'' e chamando os futuros viajantes de ''embaixadores da liberdade''. O secretário de Imprensa, Robert Gibbs, nem parecia notar que nessa esfera são os EUA que restringem a liberdade.



Foi portanto um degelo a contagotas. Manteve o conteúdo e o discurso do bloqueio total, que fez 47 anos em fevereiro.



No entanto, em certas condições de temperatura e pressão até derretimentos ínfimos podem gerar avalanches. Visto de 2009, o bloqueio é uma relíquia da Guerra Fria que só se sustenta pela inércia. As medidas quebram a inércia. E há um cenário propício ao fim do bloqueio.



Se não, vejamos.  O grosso da opinião pública e até dos interesses empresariais americanos – de olho no mercado da Ilha – é pelo fim do bloqueio. A própria colônia cubana (exceto os bolsões de ultras) deslocou-se com o tempo e na maioria defende a normalização. A ONU já aprovou 29 condenações do bloqueio em votações nas quais só Israel fica com os EUA. Cuba tem hoje relações diplomáticas com todos os 33 países das Américas, sendo os EUA a última exceção (a penúltima era El Salvador, até a eleição dee março). Em dezembro, os países latino-americanos do Grupo do Rio votaram por unanimidade o ingresso de Cuba e um documento pelo fim do bloqueio.



No próximo fim de semana, em Trinidad e Tobago, a inércia estadunidense será posta de novo à prova, na Cúpula das Américas. Cuba, o único país do hemisfério não convidado, será o principal personagem do encontro. O venezuelano Hugo Chávez e o brasileiro Lula já avisaram que levarão o tema a debate. Os EUA não terão um único aliado.



A Ilha socialista acompanha a mudança de cenário com a firmeza de quem já provou ser capaz de viver com bloqueio, mas engajada em combatê-lo e determinada a vencer. Continua a não colocar condições para o diálogo com Washington, exceto o absoluto respeito à independência e autodeterminação entre nações soberanas.



As decisões da Casa Branca foram recebidas na Ilha com um otimismo cauteloso. Fidel Castro, ao receber há dias uma delegação de congressistas dos EUA, perguntara-lhes com bom-humor como os cubanos podem ''ajudar o presidente Obama a normalizar as relações com Havana''. Há uma chance de que seja o começo do fim do mais longo bloqueio que o mundo já viu.