O Supremo na berlinda

Nos 12 meses em que o ministro Gilmar Mendes preside o STF (Supremo Tribunal Federal), a suprema corte tem frequentado o noticiário de formas nem sempre lisongeiras. E que atingiu o paroxismo na quarta-feira, 22, quando o ministro Joaquim Barbosa acusou Mendes, durante sessão aberta ao público, de estar ''na mídia destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro''.


 


Este episódio não merece ser reduzido a mero choque de personalidades. Antes, estimula a reflexão sobre esta corte, os rumos que tomou e os que deveria tomar. O Judiciário é o único dos três poderes não diretamente submetido à soberania popular expressa no voto. Seu órgão superior cultivou um recato opaco a ponto de transitar quase sem rupturas da Casa da Suplicação da colônia para o Supremo Tribunal de Justiça imperial e seu congênere republicano. Até a ditadura de 1964, que derrubou um presidente,  impediu a posse de um vice e fechou duas vezes o Legislativo, no STF limitou seu arbítrio a três aposentadorias compulsórias.


 


Na gestão Mendes, face a um Parlamento acuado pela campanha de denúncias da mídia, o Supremo adianta-se, rouba a cena, age como se fosse uma terceira Casa Legislativa. E seu presidente faz às vezes de paladino da oposição, papel que José Serra ou Aécio Neves relutam em assumir enquanto Lula desfrutar das atuais taxas de aprovação.


 


Há ainda nessa conduta um substrato de classe, patenteado há três semanas quando o presidente daquela corte, a pretexto de refutar o ''discurso ideológico'' de que ''o Supremo cuida apenas do interesse dos ricos'', exibiu uma pesquisa dos 350 habeas corpus concedidos pelo órgão… apurando que 18 deles beneficiaram pobres.


 


É uma situação que não surpreende. Em 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso, no final de seu mandato, indicou para o Supremo o então advogado-geral da União, o jurista Dalmo Dallari advertiu por escrito: ''Se essa indicação (de Mendes) vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional''.


 


O tempo passado desde então parece confirmar a opinião de Dallari. Entretanto, por vias tortas, também abre o flanco para que a sociedade debata melhor o papel do Supremo.


 


É o que tem feito o presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cesar Britto, que entrou em campanha por uma urgente reforma do Supremo. ''Está na hora do Congresso Nacional transformar o STF em Corte Constitucional, estabelecendo um mandato de dez anos, sem reeleição, para os seus membros (hoje, o cargo é vitalício)''. No mesmo sentido, o deputado comunista Flávio Dino (PCdoB-MA), propôs emenda constitucional que, entre outras coisas, limita a onze anos a duração do mandato dos ministros do Supremo.


 


''A OAB sempre defendeu que o Supremo deveria atuar exclusivamente como um Tribunal Constitucional, para que possa cumprir o seu relevante papel de ser o guardião da Constituição cidadã'', diz Britto. As outras atribuições iriam para o STJ (Superior Tribunal de Justiça). ''Isso seria uma ótima solução para retirarmos essa pauta exagerada de processos do Supremo'', defende.