O ministro da Saúde e a descriminalização do aborto

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, advogou a descriminalização do aborto em entrevista publicada nesta segunda-feira (9). “Do ponto de vista da saúde pública, hoje a minha visão é pela legalização”, afirmou.



O ministro cuidou também de agregar que “quando o debate for aprofundado, eu poderei captar com mais sutileza as diversas posições e nuances sobre o assunto”. Defendeu um plebiscito no Brasil sobre o tema. E recordou o caso dos portugueses, que decidiram nas urnas em 11 de fevereiro que a interrupção voluntária da gravidez não é crime.



Portugal foi o último país da Europa Ocidental a aderir à descriminalização. Apesar da influência da Igreja Católica, ostensivamente criminalizadora, falou mais alto a consciência laica, o reclamo da saúde pública, o direito das mulheres a decidir sobre seu próprio corpo.



Em todos os países do chamado Primeiro Mundo o direito de interromper a gravidez é reconhecido, prevendo-se apenas, em alguns deles, um limite máximo para o tempo de gestação. Assim ocorre também nos Estados Unidos, a despeito da oposição do presidente George W. Bush, baseada no fundamentalismo religioso.



A tendência descriminalizante perdura no mundo há quatro décadas. Desde a lei de aborto inglesa, de 1967, dezenas de países avançaram neste sentido. Apenas a Polônia pós-socialista, sob forte influência clerical, marchou em direção contrária, em 1993.



O Brasil permanece em posição retardatária nesta esfera. Tem uma das legislações mais restritivas do mundo, só permitindo o aborto legal para salvar a vida da mulher. Uma iniciativa de suscitar o debate, por parte da ministra Nilcéa Freire (Secretaria da Mulher), dois anos atrás, terminou sepultada pela crise política que se seguiu.



Temporão, que é médico sanitarista, recoloca agora a questão sob a ótica da saúde pública. E questiona os resultados da pesquisa do instituto Datafolha, duas semanas atrás, que aponta 65% de respostas pela manutenção da atual lei criminalizadora, contra 16% que defendem o seu abrandamento e 10% favoráveis à completa descriminalização. “Acho que a pesquisa do Datafolha captou um nível de debate ainda muito precário no Brasil”, opina o ministro. E recorda que também em Portugal a maioria era contra a descriminalização, porém com o debate mudou de posição.



O ministro tem razão. O debate precisa ocorrer, quanto mais amplo, melhor. Na medida em que ele for travado, trará à luz e desvendará bolsão de conservadorismo, preconceito, superstição e repressão hoje preponderante. As objeções ao direito de interromper a gravidez, todas de conteúdo religioso, serão respeitadas enquanto livre opção de quem nelas acredite, mas deixarão de ser impostas pela força a toda a sociedade.