Nem vidas, nem a economia

Desde os primeiros casos de Covid-19 no Brasil, já se sabia que a negligência do presidente Jair Bolsonaro no combate à crise não seria capaz de conter danos e salvar vidas. Ao contrário – a forma irresponsável como o governo lidou com o novo coronavírus foi o que mais contribuiu para converter o Brasil no epicentro mundial da pandemia, com uma média superior a 2 mil mortes diárias a partir de março passado.

Não que Bolsonaro tivesse nos enganado a esse respeito. Em março de 2020, ainda nos primeiros dias da crise sanitária no País, ele fez um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV para ecoar o discurso de setores mais negacionistas e irresponsáveis do empresariado brasileiro. Afirmou que, no curso da pandemia, lutaria no sentido de “preparar o Brasil para a sua retomada e reorganizar a nossa economia”, criticando as indispensáveis medidas restritivas: “Devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros”.

Não há um único caso sequer de nação no mundo que, sob a pandemia, tenha blindado sua economia à base da negação da ciência e do desprezo à vida – nem mesmo com a injeção de montantes recordes de recursos. Em seu ano final na Casa Branca, Donald Trump não poupou verbas federais na tentativa de “salvar” a economia norte-americana. O primeiro pacote, em março de 2020, era da ordem de US$ 2 trilhões (R$ 10,2 trilhões). O segundo, em dezembro, foi ainda maior: US$ 2,3 trilhões (R$ 11,9 trilhões).

Nada disso impediu a morte de 400 mil norte-americanos de Covid-19 sob seu governo – nem tampouco o recuo recorde do PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos. Segundo a consultoria Moody’s Analytics, Trump foi, em 245 anos, o primeiro presidente do país a deixar o cargo com menos empregos no fim do governo do que no início.

Bolsonaro parece seguir trilha parecida. Em 13 meses, a pandemia, agravada pelas ações e pelas omissões do bolsonarismo, totalizou 415 mil óbitos no Brasil, sem que essa escolha antivida redundasse na efetiva proteção à economia.

Em 30 de abril, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que 14,4 milhões de trabalhadores estavam sem emprego no trimestre encerrado em fevereiro de 2021, de acordo com a nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Já a pesquisa CNI/FSB apontou que nada menos que 16,2 milhões de brasileiros chegaram a ficar sem nenhuma renda durante o estado de calamidade pública.

Não é possível dizer se o pior passou. Segundo o mesmo IBGE, a produção industrial viveu dois meses seguidos de queda (-1% em fevereiro e -2,4% em março) depois de nove meses seguidos “no azul”. Nesta quarta-feira (5), em pleno pico da pandemia no Brasil, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central voltou a elevar a taxa básica de juros da economia (Selic). Em março, os tecnocratas da instituição já haviam aumentado a Selic de 2% para 2,75% ao ano. Agora, a taxa chegou a 3,5% – seu maior valor em mais de um ano.

Enquanto nações desenvolvidas seguem com taxas de juros até negativas para enfrentar a crise, o Copom alegou que só um aumento na Selic podia conter a crescente inflação de alimentos e bens industriais. Em vez de recorrer a expedientes como o uso de reservas internacionais, a emissão de moeda e até o endividamento público para incentivar a produção e o consumo, a saída foi, mais uma vez, a austeridade – para a alegria do setor financeiro.

Até mesmo a todo-poderosa Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) – que tem dado sustentação permanente e vergonhosa a Bolsonaro – criticou a nova política do Copom. “Neste cenário, a subida de juros promovida pelo Banco Central eleva a incerteza e pode intensificar os impactos negativos do fechamento de atividades econômicas, além de prejudicar a retomada do emprego”, afirmou a entidade empresarial, em nota.

Acabamos de saber que, apenas no primeiro trimestre de 2021, o Itaú teve lucro líquido de 6,398 bilhões, e o Bradesco, de R$ 6,515 bilhões. A miséria e a fome crescem num país que tem cada vez mais bilionários, numa evidência da crescente desigualdade de renda no Brasil. Há quem triunfe na crise, sob aplausos do governo Jair Bolsonaro. Nada mais natural num país em que o Banco Central conquistou uma absurda independência para ditar regras, mas o Ministério da Saúde não tem autonomia nem para estabelecer medidas coordenadas na pandemia.

Como afirmou o professor André Roncaglia, da Unifesp, na alta anterior da Selic, o Copom receitou uma “cloroquina econômica” para o País. Seja para a economia, seja para nossas vidas, a incerteza continua.