Maioria dos EUA disse sim à mudança

Nem sempre as crises econômicas do capitalismo influem na política com sentido progressista. A Grande Depressão dos anos 1930, um exemplo clássico, alimentou a maré reacionária nazifascista. A eleição presidencial deste 4 de novembro nos Estados Unidos sinaliza em outro sentido. Das alternativas possíveis, venceu, com Barack Obama, uma promessa de mudança.



Não se trata simplesmente da cor da pele do presidente eleito – Condoleezza Rice é mais negra que Obama –, embora também ela tenha um enorme impacto simbólico. O slogan do candidato que promete transformar o status quo, ''Mudança, sim, podemos'', combinou-se com o vendaval da crise e desmoronamento do neoconservadorismo bushiano. O lema brasileiro da ''esperança'' contra o ''medo'' também foi fartamente usado. Ao fim da campanha eleitoral mais polarizada e eletrizante que esta geração de americanos conheceu, o senador mestiço de Illinois venceu por uma margem de mais de 7 milhões de votos populares e 80 delegados ao Colégio Eleitoral.



A vitória democrata no Capitólio também foi acachapante: pelo menos cinco cadeiras a mais no Senado e 18 na Câmara, em um Congresso onde os republicanos já tinham sido alijados da maioria em 2006. O ambiente legislativo não será majoritariamente hostil à plataforma mudancista.


Porém é nas camadas profundas da sociedade americana que se produziu uma transformação de consideráveis proporções. A mobilização de jovens, negros, latinos, trabalhadores e sindicatos foi sem precedentes, em extensão e entusiasmo. As multidões impressionantes que celebram o resultado, sobretudo nas grandes cidades, vão fiscalizar e cobrar a mudança prometida.



A eleição que muitos americanos descrevem como ''épica'' acontece em um dos sistemas políticos mais esclerosados do mundo, até em suas regras que o mundo encara com zombeteira perplexidade. Há um patente contraste entre a mudança que triunfou nas urnas e a antimudança  sedimentada em Washington, desde muito antes das três últimas décadas de domínio da direita neoconservadora. As atenções em um futuro imediato se concentrarão nesta tensão, e em sua resultante.



A eleição de Obama foi também um acontecimento mundial. O planeta inteiro, farto da unipolaridade estadunidense, os povos em luta contra o imperialismo, escolheram seu lado. Na América Latina rebelde, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o cubano Fidel Castro, o Venezuelano Hugo Chávez e a opinião pública em peso explicitaram sua preferência.



Tudo isso dará à administração Barack Obama um crédito inicial de simpatia, ainda que temperado por um ceticismo que encontra farta justificativa no passado. Obama prometeu a mudança? Os povos, como a maioria dos eleitores dos EUA, pagam para ver.


 


O sistema de poder do Estado norte-americano é imperialista. Tudo fará, sobretudo diante da crise em curso, para reforçar sua hegemonia. Obama é eleito nos marcos desse sistema. É uma fase de conflito a que se abre, mas com uma relação de forças distinta daquela da era Reagan-Bush. Há motivos, sim, portanto, para uma atenta, ativa, vigilante esperança.