Lista suja e a panacéia da ética

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) publicou em seu site – com direito a ampla cobertura midiática — uma lista com dados sobre candidatos a prefeito e vice nas 26 capitais do País que tenham processos na Justiça. A mídia qualificou os 15 candidatos que integram a lista como ''candidatos ficha-suja'', passando para a população a falsa idéia de que todos os políticos citados são ''farinha do mesmo saco'', criminosos e corruptos que não merecem o voto dos eleitores. Não se sabe qual será o resultado prático desta iniciativa, mas desde já ela causa grande polêmica.



A simples divulgação dos dados não é um problema. Afinal, as informações são públicas. O problema reside no uso político que se faz deste tipo de iniciativa. Em São Paulo, por exemplo, os candidatos Geraldo Alckmin (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM), auxiliados pela imprensa conservadora, estão deitando e rolando em cima da situação, usando-a para atacar a candidatura da petista Marta Suplicy, que foi incluída na lista por responder a um processo movido por seus adversários políticos da direita.



Não foi sem razão que a coligação de Marta emitiu uma nota de repúdio contra a iniciativa da AMB, qualificando a divulgação da lista como uma medida ''arbitrária, tendenciosa e leviana''. A nota ressalta que a lista ''prejudica uma candidatura idônea, que não tem nenhuma condenação em nenhuma última instância'' e sugere que a AMB tomou a iniciativa movida por interesses políticos.



Além de política, a iniciativa é também injusta, pois inclui na lista, por exemplo, candidatas –como Leila Márcia (PCdoB) e Marinor Jorge Brito (PSOL), ambas de Belém (PA)– que estão sendo processadas por suas atuações em movimentos sociais. Leila foi processada por liderar uma manifestação estudantil e Marinor por participar de uma greve.



Outro grave problema é que, apesar da AMB ser uma entidade da sociedade civil, ela é composta unicamente por juízes, ou seja, servidores do poder judiciário que estão, na prática, interferindo no jogo eleitoral à margem da legislação que rege a disputa. E que, por definição, deveriam ser isentos e nunca prejulgar nem afrontar o princípio democrático da presunção da inocência – isto é, de que ninguém pode ser considerado culpado antes do julgamento pela Justiça. O contrário disso é o linchamento, a justiça feita à margem dos tribunais regulares. Como bem registrou a nota da coligação que apóia Marta Suplicy, é surpreendente ver uma associação ''cujos integrantes têm a responsabilidade de administrar a Justiça cometer um gesto que caracteriza prejulgamento ou rito simbólico de execução sumária''.



A defesa dessa iniciativa pelo presidente da AMB, Mozart Valadares, confirma esses temores. Ele alegou que a entidade não está se ''metendo em política'' mas, logo em seguida, cai em contradição e diz que a entidade está apenas ''discutindo a qualidade de nossos políticos'' pois ''queremos um país menos corrupto'' – como se coubesse a qualquer instância – e principalmente a uma organização que reúne magistrados – chamar para si decisões que, num regime democrático, cabem somente ao povo. É uma versão canhestra do velho bordão que assegura que ''o povo não sabe votar''.



Tal como muitas outras panacéias moralistas, a lista surge como se fosse um remédio milagroso para os males da política. É a velha tentação equivocada de resolver um problema estrutural com medidas cosméticas. Quem realmente defende e entende o que é ética na política sabe que a solução do problema da corrupção e da má gestão pública passa por uma ampla reforma, popular e democratizante, no sistema político nacional e não por uma iniciativa que mais confunde do que ajuda o eleitor a escolher seus representantes.